Querem acabar com os meninos e com as meninas?

ALEXANDRA DUARTE    IONLINE    28.08.17


A histeria coletiva que se instalou nos últimos dias no espaço público sobre os livros de atividades para rapazes e raparigas é um sinal de alerta vermelho de que algo vai muito mal na nossa sociedade.

Esta controvérsia, se assim a podemos denominar, encerra em si várias interrogações, demasiadas a meu ver, para além da que se impõe após a retirada dos livros do mercado, recomendada pelo governo à Porto Editora, depois de a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género se ter pronunciado quanto à possível discriminação latente nos conteúdos das publicações.
Vou tentar ser sucinta sobre algumas das interrogações que me foram surgindo ao acompanhar esta polémica, perfeitamente dispensável e ridícula, já que cada uma delas necessitaria de muito mais do que os carateres que tenho disponíveis.
1. A que propósito o governo solicita a retirada dos livros do mercado, que nem sequer fazem parte do Plano Nacional de Leitura, limitando aos pais a liberdade de escolha deste tipo de manuais? Sou consumidora, há mais de uma década, deste tipo de livros de atividades e, ao escolhê-los em detrimento de outros, entendi que seriam mais interessantes e apelativos para os meus filhos. E não me enganei. Experimentei todo o tipo de manuais de atividades e para várias idades, e devo dizer que os manuais específicos para rapazes ou raparigas tiveram mais sucesso e não encontrei nenhuma discriminação que pudesse suscetibilizar a minha natureza feminina ou a masculina. São, por certo, livros com exercícios mais vocacionados para os interesses dos rapazes ou das raparigas, mas em nada diminuem os seus utilizadores ou sequer passam uma mensagem sub-reptícia de inferioridade ou, no extremo, de superioridade.
2. De onde surgiu este pedantismo de umas minorias que, em nome da igualdade de direitos e de género, nos vêm impondo novos conceitos de igualdade e definindo novos critérios da igualdade de género, bem como introduzindo novas abordagens e estratégias no tratamento de uma matéria tão sensível e importante como esta? Será esta a melhor forma de se discutir a tão necessária igualdade de género nas oportunidades de emprego, na divisão das tarefas, no acesso à educação? Porque não me parece que, nesta controvérsia, o horizonte seja qualquer um dos que acabei de mencionar. Em paralelo, parece existir uma outra agenda com o mesmo nome mas com outros propósitos: padronizar os géneros, não qualificando os géneros existentes, mas sim anulando-os! A igualdade não é isto. Uma mulher pode ser igual a um homem, valorizando as suas diferenças, bem como o contrário. O que não pode acontecer é que se utilize o género como impedimento ou bloqueio em atividades profissionais ou permitir que um género prevaleça sobre o outro só porque sempre foi assim, ou ignorar situações extremas de violência em que, maioritariamente, um género domina o outro. Hoje em dia fala-se sobre igualdade de género para se corrigir comportamentos do passado que acentuaram assimetrias transversais entre homens e mulheres, penalizando a mulher. O que se pretende, e creio que é óbvio, é que, enquanto mulheres, não nos sintamos prejudicadas porque simplesmente nascemos mulheres e porque a natureza nos concedeu maravilhas como ter filhos, ou agruras como a menopausa. Faz parte de quem somos, de todos nós, e só assim é possível à humanidade continuar a existir. Não são só os homens que têm de ter esta consciência; nós, mulheres, também temos de o sentir e, só por isso, todos os dias teremos de criar condições para podermos fazer o mesmo que os homens e ainda assim contribuirmos para os vários futuros dos futuros que ainda hão de vir, de uma forma que só nós podemos.
3. Seriam os conteúdos dos livros de atividades assim tão descabidos e discriminatórios? Os exercícios que mais causaram polémica não são novos para mim, até porque já fiz outras versões semelhantes com os meus filhos e em nenhum momento encarei as diferenças entre os livros para rapazes e para as raparigas como desvantajosas ou causadoras de inferioridade/superioridade.
A maternidade despertou-me a curiosidade para fazer leituras que me ajudassem a compreender o crescimento e o de-senvolvimento dos meus filhos, e, através dos conhecimentos que adquiri e do que fui observando enquanto mãe, reconheço que o desenvolvimento de um rapaz se processa de forma diferente do desenvolvimento de uma rapariga. Nem melhor, nem pior. Simplesmente diferente. Para maior evidência, atente-se no período da adolescência. Mas, ainda assim, é possível começar a constatar-se esta diversidade na infância. Negar a determinação biológica ou querer contrariá-la, em vez de a potenciar e realçar as suas qualidades, parece-me um absurdo e nada benéfico para quem está a crescer e a desenvolver-se.
Toda esta questão foi mal gerida e muito precipitada. Os responsáveis não deveriam ter agido sem primeiro confirmarem as evidências que justificaram as suas afirmações, e só depois tomariam, se necessário, as medidas que melhor se adequassem.
A retirada dos livros de atividades do mercado fez lembrar quando o Infarmed ordena a retirada do mercado de medicamentos, seja por estarem fora de prazo, seja pelos seus efeitos secundários que põem em risco a vida dos cidadãos. Neste caso, em particular, não se percebe qual o risco ou perigo de contaminação…

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