Muito inteligente

Público,051209
Vasco Pulido Valente
Pouco a pouco, a língua da política acabou por se tornar numa "língua de pau". Basta reparar, por exemplo, nesta campanha: com a possível excepção Soares, só se ouvem fórmulas sobre fórmulas, que há muito tempo perderam qualquer espécie de significado ou valor evocativo. O jornalismo comenta essas fórmulas com outras fórmulas, se possível mais pobres, mais rígidas, mais previsíveis. Na televisão, além disto, a impropriedade e a asneira fervem. E na televisão por cabo, em muitos casos, já não se usa mesmo o português. Quem recebe relatórios de organismos do Estado, ou de uma empresa (de um banco, por exemplo), ou de um médico, está habituado às contorções que os peritos precisam para dizer a coisa mais trivial e óbvia. E não vale a pena insistir no e-mail ou nas mensagens SMS, que raramente excedem a comunicação do primata inferior. Chegámos, como povo falante, muito próximo do grunhido.
Responsável por uma perversão que se tornou célebre sob o nome de "eduquês", contra a qual até o dr. Grilo se julgou no dever de protestar, o ministério da Educação achou agora conveniente eliminar, suponho que para animar a iliteracia indígena, as provas de português no 12.º ano. O pessoal superior do Ministério da Educação e a sra. ministra, que seriam incapazes de contar, como constantemente o provam, a história do Capuchinho Vermelho em 70 palavras, não vêem a menor vantagem na capacidade de escrever com lucidez, precisão e brevidade. Provavelmente pensam que o telemóvel basta às crianças meio mentecaptas, que saem do secundário. Uma convicção quase com certeza de experiência feita, que o Governo partilha. O analfabetismo protege sempre o analfabetismo.
Entretanto, o deputado (e poeta) Manuel Alegre promete um "Laboratório (?) da Língua Portuguesa" e o dr. Cavaco puxa pela sua qualidade de "incentivador da Língua Portuguesa" ("incentivador", calculem) e proclama a sua fé na virtude persuasiva do verbo. Não entrou evidentemente naquelas cabeças que, por falta de vocabulário e de compreensão sintáctica, não tarda muito ninguém conseguirá ler ou perceber português. Nem sequer um jornal. Quanto mais Garrett, Camilo, Eça ou Pessoa. A "defesa da língua" serve para propaganda eleitoral (capítulo: política externa). Mas não interessa ao Ministério da Educação. O ministério julga favorecer a ciência e a técnica, transformando Portugal num país de alarves. Muito boa ideia. E muito inteligente.

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