Duas modestas propostas
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A gravidez indesejada é a questão central no debate do aborto. Realmente há poucas surpresas mais angustiantes e assustadoras. Mas esta questão é sempre tratada de forma apressada. O desejo da gravidez tem muito que se lhe diga. Por exemplo, nos momentos iniciais toda a gravidez é desejada. Pode não se saber que vem aí, mas naqueles instantes os envolvidos fazem avidamente tudo para que ela comece.
Depois, como em tantas coisas na vida, pode vir o susto, a aflição e, em alguns casos, a rejeição. Mas há uma altura em que toda a gravidez é indesejada. Cerca de 15 anos depois de começar, não há nenhuma gravidez que não tenha problemas. É que, mesmo com dores, dificuldades e alarmes, os primeiros cinco anos são os mais belos. Não há gravidez que nesse período não seja delicada, encantadora, ternurenta. O pior vem depois. Após dez, 15 anos, toda a gravidez se torna desobediente, teimosa, arrogante ou, pelo menos, atrevida e inconveniente.
Nessa altura, mais de uma década após o início, se alguém quiser praticar a interrupção voluntária dessa gravidez, as dificuldades são enormes. Só mesmo os muito ricos é que conseguem tratar do assunto sem consequências, e mesmo esses são muitas vezes apanhados. É nesse estado tardio da gravidez, e não nas primeiras semanas, que as mulheres (e homens) são condenadas à prisão sem piedade, apenas por se libertarem dela. Por medo disso, tantas mulheres pressionadas não têm remédio senão suportar a gravidez que não querem.
A minha modesta proposta é que as forças pela despenalização do aborto alarguem a extensão da actuação. Porquê limitar a permissão da interrupção voluntária da gravidez às insignificantes dez, 14 ou quaisquer semanas? Tudo isso é mínimo comparado com a real dimensão do problema. Até que a gravidez se complete e o embrião saia de casa, a mulher tem direito ao seu corpo, nível de vida, ao seu sono e paz, ao seu bem-estar! Avancemos até aos 18 anos!
Já agora, alarguem também o âmbito. Além do aborto, não podemos negar que há pedofilia clandestina. O melhor é legalizá-la em estabelecimentos autorizados. Assim as crianças terão tratamento higiénico e psicológico adequado.
Foi há 275 anos que Jonathan Swift apresentou a sua celebérrima «Uma Modesta Proposta». Também ele, como os abortistas, queria resolver o problema dos «pedintes do sexo feminino, seguidos por três, quatro ou seis crianças, todas em farrapos, importunando os passantes por esmolas (...), prevenir os abortos voluntários, e essa prática de mulheres matarem os seus filhos bastardos». Para o resolver, o irlandês fez investigações e concluiu «que uma criança jovem e saudável, bem criada com um ano, é um alimento muito delicioso, nutritivo e substancial, seja frito, assado, cozido ou refogado, e penso que poderá igualmente servir-se em fricassé ou guisado». Assim, a sua «modesta proposta para impedir que os filhos das pessoas pobres sejam uma carga para os seus pais e a nação, transformando-as em benefício para o público», é simplesmente usá-los na alimentação como outras carnes.
Neste nosso tempo pateta e mesquinho, é talvez preciso explicar que a proposta de Swift (tal como a outra) é sarcástica e mordaz. Porque hoje, com o uso de embriões abortados, clonagem terapêutica e outras infâmias, ela parece assustadoramente real. Aqui a História repete-se, mas primeiro como farsa e só depois como tragédia.
naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt
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