Tornar este mundo mais belo
João César das Neves
DN 20021104
A Humanidade nos últimos séculos foi dominada pelo sonho mais maravilhoso e estimulante da História: a busca de um mundo novo. A plausibilidade deste mito primordial fez nascer as maiores grandezas e as maiores misérias. Hoje, somos herdeiros do sonho, mas também da desilusão. O nosso desânimo sistémico nasce da sensação de termos experimentado tudo, sem atingir o sucesso prometido. Hoje já ninguém acredita. Mas agora alguém vem dizer que ainda há um caminho para o ideal.
O Ocidente viveu empolgado pelas tentativas de chegar a um mundo livre e justo que, em vários âmbitos e de múltiplas formas, pareceu possível realizar. Quase podemos relacionar cada um dos séculos com um dos seis campos dessa demanda: o espaço, a religião, a ciência, a economia, a política e a família.
O mundo moderno nasceu no século XV, quando as caravelas levaram a Europa a mundos realmente novos. Os Descobrimentos abriram perspectivas exóticas e inesperadas. Após milénios de miséria, opressão e labuta, nascia o sonho de abandonar a terra velha e começar tudo de novo, livre dos arcaicos erros, azares e conflitos. O europeu de Quatrocentos gritou por liberdade e sonhou com uma sociedade nova.
No século seguinte, a demanda da novidade foi aplicada à mais determinante das realidades, a religião. A Reforma de Lutero e Calvino representa a mesma busca das caravelas, mas no campo eclesial. Só que, se no âmbito geográfico essa ânsia se revelou pacífica e proveitosa, na área doutrinal a luta foi sumamente perturbadora e feroz. As «guerras religiosas» ensanguentaram o continente por mais de cem anos. As cicatrizes duram ainda hoje.
No século XVII a busca passou para o campo científico. O tempo de Galileu e Newton abriu novos mundos intelectuais e experimentais, cujo valor ainda não se esgotou. Seguiu-se, no século XVIII, o campo económico. A «revolução industrial» aplicou as ideias da ciência e rasgou oportunidades inesperadas na prosperidade e no conforto. Estes foram os sucessos mais duráveis da busca multissecular.
Então, o século XIX orientou-se para o campo político. E voltou o sangue e a turbulência. As novas ideologias e sistemas derrubaram velhos privilégios e disparidades arcaicas. Mas também geraram revoluções e lutas, que a ciência e a economia ajudaram a tornar destruidoras. Quando a essas se juntaram as conquistas geográficas, as guerras foram mundiais.
Finalmente, o século XX, herdeiro dos avanços na distância, na teologia, na natureza, na riqueza e no poder, tentou revolucionar a mais íntima das dimensões, a família. Generalizaram-se realidades como a promiscuidade, o adultério, o divórcio, a homossexualidade, o aborto, a pedofilia. Os ganhos face à família opressiva foram muitos, mas o sofrimento é enorme. E mais profundo e surdo que nunca, por se situar na própria identidade pessoal.
É difícil descrever o entusiasmo apaixonado com que em cada época, navegantes, reformadores, estudiosos, empresários, revolucionários, hippies e tantos outros, se empenharam em cada uma destas buscas. O ser humano acreditou sempre a fundo e jogou tudo no mundo novo que se abria. O novo milénio nasce repousando na apoteose desses ganhos: a aldeia planetária e o diálogo de religiões, a hegemonia científica e a globalização económica, o ideal democrático e a liberdade sexual. Mas o ser humano não está mais feliz. Sente-se mais perdido que nunca.
Afinal, o tal mundo novo nunca chegou. E o abandono das antigas referências criou um vazio e uma confusão avassaladoras, sobretudo na fé, na ideologia e na intimidade. Sente-se uma ânsia de valores, de orientação, a que ninguém dá resposta. Temos mais do que nunca e sentimo-nos os menores de sempre. Já tentámos tudo. Só falta mesmo o ideal prometido.
Há dias, um dos poucos homens que ainda fala com autoridade ao mundo, apontou um caminho para a vida perfeita. A sua solução situa a busca num plano diferente das anteriores: dentro do ser humano, não fora. O papa João Paulo II, na Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae sugere uma via surpreendente para o mundo novo: rezar o terço todos os dias.
Trata-se de uma oração singela e vetusta, quase ingénua. Mas a sua finalidade é a mesma das grandiosas demandas dos últimos séculos: «Como se poderia fixar os olhos na glória de Cristo ressuscitado e em Maria coroada rainha, sem desejar tornar este mundo mais belo, mais justo, mais conforme ao desígnio de Deus? (...) Longe de constituir uma fuga dos problemas do mundo, o rosário leva-nos assim a vê-los com olhar responsável e generoso, e alcança-nos a força de voltar para eles com a certeza da ajuda de Deus e o firme propósito de testemunhar em todas as circunstâncias «a caridade, que é o vínculo da perfeição» (Col 3, 14).» (op. cit. 40). Ao mundo desorientado, o papa aponta este «caminho de contemplação» (op. cit. 5), que leva, de facto, ao mundo novo: rezar o terço todos os dias. Após tantos esforços, por que não tentar?
O Ocidente viveu empolgado pelas tentativas de chegar a um mundo livre e justo que, em vários âmbitos e de múltiplas formas, pareceu possível realizar. Quase podemos relacionar cada um dos séculos com um dos seis campos dessa demanda: o espaço, a religião, a ciência, a economia, a política e a família.
O mundo moderno nasceu no século XV, quando as caravelas levaram a Europa a mundos realmente novos. Os Descobrimentos abriram perspectivas exóticas e inesperadas. Após milénios de miséria, opressão e labuta, nascia o sonho de abandonar a terra velha e começar tudo de novo, livre dos arcaicos erros, azares e conflitos. O europeu de Quatrocentos gritou por liberdade e sonhou com uma sociedade nova.
No século seguinte, a demanda da novidade foi aplicada à mais determinante das realidades, a religião. A Reforma de Lutero e Calvino representa a mesma busca das caravelas, mas no campo eclesial. Só que, se no âmbito geográfico essa ânsia se revelou pacífica e proveitosa, na área doutrinal a luta foi sumamente perturbadora e feroz. As «guerras religiosas» ensanguentaram o continente por mais de cem anos. As cicatrizes duram ainda hoje.
No século XVII a busca passou para o campo científico. O tempo de Galileu e Newton abriu novos mundos intelectuais e experimentais, cujo valor ainda não se esgotou. Seguiu-se, no século XVIII, o campo económico. A «revolução industrial» aplicou as ideias da ciência e rasgou oportunidades inesperadas na prosperidade e no conforto. Estes foram os sucessos mais duráveis da busca multissecular.
Então, o século XIX orientou-se para o campo político. E voltou o sangue e a turbulência. As novas ideologias e sistemas derrubaram velhos privilégios e disparidades arcaicas. Mas também geraram revoluções e lutas, que a ciência e a economia ajudaram a tornar destruidoras. Quando a essas se juntaram as conquistas geográficas, as guerras foram mundiais.
Finalmente, o século XX, herdeiro dos avanços na distância, na teologia, na natureza, na riqueza e no poder, tentou revolucionar a mais íntima das dimensões, a família. Generalizaram-se realidades como a promiscuidade, o adultério, o divórcio, a homossexualidade, o aborto, a pedofilia. Os ganhos face à família opressiva foram muitos, mas o sofrimento é enorme. E mais profundo e surdo que nunca, por se situar na própria identidade pessoal.
É difícil descrever o entusiasmo apaixonado com que em cada época, navegantes, reformadores, estudiosos, empresários, revolucionários, hippies e tantos outros, se empenharam em cada uma destas buscas. O ser humano acreditou sempre a fundo e jogou tudo no mundo novo que se abria. O novo milénio nasce repousando na apoteose desses ganhos: a aldeia planetária e o diálogo de religiões, a hegemonia científica e a globalização económica, o ideal democrático e a liberdade sexual. Mas o ser humano não está mais feliz. Sente-se mais perdido que nunca.
Afinal, o tal mundo novo nunca chegou. E o abandono das antigas referências criou um vazio e uma confusão avassaladoras, sobretudo na fé, na ideologia e na intimidade. Sente-se uma ânsia de valores, de orientação, a que ninguém dá resposta. Temos mais do que nunca e sentimo-nos os menores de sempre. Já tentámos tudo. Só falta mesmo o ideal prometido.
Há dias, um dos poucos homens que ainda fala com autoridade ao mundo, apontou um caminho para a vida perfeita. A sua solução situa a busca num plano diferente das anteriores: dentro do ser humano, não fora. O papa João Paulo II, na Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae sugere uma via surpreendente para o mundo novo: rezar o terço todos os dias.
Trata-se de uma oração singela e vetusta, quase ingénua. Mas a sua finalidade é a mesma das grandiosas demandas dos últimos séculos: «Como se poderia fixar os olhos na glória de Cristo ressuscitado e em Maria coroada rainha, sem desejar tornar este mundo mais belo, mais justo, mais conforme ao desígnio de Deus? (...) Longe de constituir uma fuga dos problemas do mundo, o rosário leva-nos assim a vê-los com olhar responsável e generoso, e alcança-nos a força de voltar para eles com a certeza da ajuda de Deus e o firme propósito de testemunhar em todas as circunstâncias «a caridade, que é o vínculo da perfeição» (Col 3, 14).» (op. cit. 40). Ao mundo desorientado, o papa aponta este «caminho de contemplação» (op. cit. 5), que leva, de facto, ao mundo novo: rezar o terço todos os dias. Após tantos esforços, por que não tentar?
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