Paulo Teixeira Pinto I. O trabalho é a forma maior que o homem tem de se elevar. Leia-se, de se encontrar consigo mesmo. Quer dizer, não há vocação humana alguma que possa escapar ao trabalho. É por isso mesmo que se torna imperioso atribuir ao trabalho a sua verdadeira dignidade, pois que sem ele nenhum homem se pode realizar. Nesta medida, o trabalho há-de então ser mais do que um direito, posto que se prova como um verdadeiro destino. Aquele que se constrói quando um homem opera a sua marca única e irrepetível, mesmo que aparentemente insignificante ou invisível, na História da Humanidade. Seja o trabalho de partir pedra ou o de meditar, o de pintar ou o de regar a terra, o de escrever a alegria ou o de curar a dor. Com cada um o mundo fica diferente para todo o sempre. Percebam-no ou não os seus fazedores. Sejam eles carpinteiros ou filósofos. II. Nada há de mais puro e radical do que o fruto do verdadeiro trabalho humano. Simetricamente, poucas coisas há nesta vida que do mesmo modo comparar se possam, pela sua gravidade, à falta de respeito pela condição de um trabalhador, significando esta palavra o que ela quer mesmo dizer, isto é, aquele que trabalha. Deve ser por isso que raras são também as coisas que de imediato merecem censura tamanha como aquela reservada aos dislates do género “se trabalhar faz bem que trabalhem os doentes”. Aliás, aqui a ofensa até é dupla, pois que também o sofrimento pode traduzir uma superior prestação de verdadeiro trabalho. Conheço apenas uma excepção aceitável à regra que interdita brincar com a essência do trabalho. Trata-se do episódio daquele analista que, na sua procura dos elementos essenciais à determinação do valor de certa empresa, perguntou a certa altura quantas pessoas nela trabalhavam. Como resposta ouviu: “cerca de metade”. Esta sentença, meio cínica e meio irónica, revela bem, contudo, a distância que vai entre emprego e trabalho. III. Na verdade, muitos são aqueles que ganham o pão de cada dia em nome de um posto de trabalho mas que realmente não trabalham. Limitam-se a ter um emprego. Ou seja, gozam do posto enquanto gozam com o trabalho. Falta grave. Em todo o caso, sempre menor do que a daqueles empregadores que por vezes se fazem passar por empresários e que não pagam a quem trabalha, ou que pagam menos do que seria justo. Num caso e noutro do que se trata é de exploração. É pena. Mas é bom que se saiba que é também mais do que um comportamento lamentável. Pelo que seria bom e oportuno que hoje, precisamente hoje, a Igreja pudesse lembrar a todos, e não só aos católicos, que não pagar o que é devido ao trabalho é teologicamente considerado um “pecado que brada aos céus”. Noto que a terminologia não é minha. E sublinho também que outros pecados com a mesma qualificação capital são a opressão dos pobres, das crianças e viúvas ou o homicídio voluntário. Escândalo? Talvez. Mas é mesmo assim. Afinal, bem medidas todas as coisas, o que há de mais escandaloso do que a verdade? IV. Explorar aquele que trabalha é, portanto, tão grave como matar. Dói ouvi-lo? Então é repeti-lo, se faz favor, junto de alguns espécimes dessa nova raça de modernos esclavagistas que usam cartões de visita aparentemente respeitáveis, nos quais às vezes aparece escrito que os seus portadores pertecem à classe dos empresários ditos de sucesso. Porém, há mesmo um porém. Os pobres coitados ainda não sabem da desgraça a que se condenaram com tais práticas infelizes. Avisá-los disso é muito mais urgente do que apenas útil. E é mais no seu próprio interesse do que no daqueles que são suas vítimas, pois aqui os algozes é que são os últimos dos condenados. E, já agora, um pedido mais para quem os puder alertar: que o aviso também advirta da sua aplicação a todos os trabalhadores e não só aos portugueses que laboram em Portugal. Porque vale tanto para nós como para os imigrantes, legais ou clandestinos, cabo-verdianos ou ucranianos. Se calhar não o sabem, mas nem estes têm menos direitos nem aqueles seus empregadores gozam de menos deveres. V. O dia de hoje só poderia ser um dia revolucionário se todos os homens avaliassem o verdadeiro valor do trabalho. Que deve ser em regra superior por aquilo que se dá do que por aquilo que se recebe. Por isso, é profundamente lamentável que muitos não queiram trabalhar mas apenas ter um emprego. Ou que deixem de trabalhar assim que consideram que podem sobreviver sem o fazer. Direi mesmo que é quase tão lamentável como impedir alguém de trabalhar. Uns e outros parece ignorarem que a natureza do tabalho não é a de meio de subsistência mas a de modo de vivência. Dito por outras palavras: o trabalho não é um mero fim para sobreviver mas um real princípio para viver. VI. Assim, o trabalho existe para o homem e não o homem para o trabalho. Mas nenhum homem está dele dispensado. Nunca. Sob pena de ter vivido em vão. No outro extremo da vida lembro-me agora de um homem - por acaso aquele que mais admiro de entre todos os seres vivos - que, já alquebrado pela doença e pela idade, insiste em ficar de pé. Sempre a gritar para não termos medo da Esperança. Enquanto murmura para si próprio que não pode parar porque terá toda a eternidade para descansar. O seu exemplo traduz toda uma lição de laboriosidade. Que poderá ser assim resumida: todo o trabalho tem a mesma dignidade se e enquanto for ordenado ao bem. VII. É por tudo isto que hoje, primeiro dia de Maio, não é o dia dos empregados, nem dos sindicatos, nem dos partidos, nem sequer de nenhum ideal. É só o dia do trabalhor. Do trabalhador, repare-se bem outra vez – no singular, e não dos trabalhadores no plural. Porque nesta vida cada um deve procurar a pedra que existe para que ele, e só ele, a transforme no seu pão. Este é o dia. Um grande dia, sem dúvida. Mas como poderia não o ser se é o dia de S. José Operário? |
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