O mistério de Fátima
António Pinto Leite
Expresso, 2000/05/06
O Papa Está a Chegar a Portugal. No centro desta terceira presença de João Paulo II na nossa terra está Fátima.
«Eu devo a minha vida a Nossa Senhora de Fátima», confidenciou o Papa ao cardeal Eduardo Peróneo, logo depois do atentado de 13 de Maio de 1981, na Praça de S. Pedro. João Paulo II, uma das figuras centrais da história contemporânea, situa na terra portuguesa a sua sobrevivência, o seu pontificado.
É a História, a de Portugal e a da Humanidade, e é a fé, essa realidade insondável da intimidade humana, que se entrelaçam nesta visita.
A beatificação de Jacinta e Francisco entrelaça também os factos humanos, a História, com o mistério da fé. Jacinta e Francisco não são figuras virtuais, são duas crianças que existiram, com uma história própria e intorneável.
A fé que move João Paulo II, que o traz a Fátima no auge de um martírio físico, num testemunho impressionante que silencia qualquer coração de boa-vontade, não é um acto gratuito, um palpite totalmente arbitrário sobre o sentido da vida.
Também a fé que desde há mais de oitenta anos move, a 13 de Maio, centenas de milhares de portugueses para o santuário de Fátima (e este ano parece que mais de um milhão) não é redutível a um simples fenómeno psicológico, que nuns dá e noutros não.
A força da fé cristã são os factos. No cristianismo a fé não está aqui e a História ali, História e fé confundem-se, os factos são o equilíbrio da fé. Esta foi a luz do meu longo percurso agnóstico.
Se noutro tempo o grande crime contra Fátima foi a manipulação, hoje o grande crime contra Fátima é a ignorância.
Três crianças simples e normais afirmaram ter tido a experiência de uma aparição. Mentiram? Como sempre releva nos tribunais, não houve apenas uma testemunha, houve mais, eram três. Mentiram todos? Contradisseram-se? Parece que não.
Uma delas (Jacinta) disse aos pais, no Verão de 1917, que numa das aparições Nossa Senhora dissera que ela e o irmão (Francisco) em breve morreriam. O leitor é uma pessoa sensível: pode imaginar dois filhos seus, de boa saúde, um com sete outro com nove anos, a dizerem-lhe isto com uma certeza tranquila? De facto, estas duas crianças morreram passado pouco tempo.
E depois da aparição de Julho, com descontraída serenidade, comunicaram as crianças que Nossa Senhora dissera que no dia 13 de Outubro faria um milagre para que o povo acreditasse no que elas andavam a dizer.
Era tremendo o pavor dos familiares de Lúcia, Jacinta e Francisco naqueles dias de Outubro. Se não acontecesse qualquer milagre no dia 13 e naquela hora prevista, temiam que o povo matasse os miúdos e quem sabe se os familiares. João Marto, irmão de Jacinta e Francisco, ainda vivo, conta que não foi à Cova da Iria com medo de que não houvesse milagre e o matassem também a ele.
No dia 13 de Outubro, contam os jornais da época, à hora da aparição, a chuva intensa subitamente parou, o chão encharcado secou, o Sol mexeu-se em movimentos bruscos e estranhos, caíram pétalas do céu que o povo tentava apanhar com as mãos ou abrindo e pondo os guarda-chuvas ao contrário.
Quem presenciou ou vivenciou estes factos? Uma seita de alucinados, um grupo de religiosos dispostos a acreditar em tudo ou a deixar-se transtornar? Não, estavam pelo menos cinquenta mil pessoas na Cova da Iria à espera do milagre e são unânimes os testemunhos, incluindo os de gente céptica, sobre os acontecimentos extraordinários que então ocorreram.
E que sucedeu aos miúdos? Factos desta intensidade, a serem verdadeiros, teriam que mudar as suas vidas.
E as suas vidas transformaram-se radicalmente, em coerência extrema com o que disseram ter vivenciado. Morreram em breve os dois mais novos e viveram tão heroicamente as virtudes cristãs que a Igreja decidiu agora a sua beatificação. Lúcia, que podia ter enriquecido a contar esta história, fechou-se num convento carmelita a rezar.
Se estas crianças fossem a tribunal ser julgadas, seriam condenadas por mentir? Como assim? As testemunhas são várias, são três, e a sua credibilidade tem a dimensão da própria santidade.
Fátima não esclarece o mistério de Deus, pela simples razão de que nada ao alcance do Homem é suficiente para o esclarecer.
Fátima adensa ainda mais o mistério da fé, tornando-o mais razoável. Ter fé é fazer parte de um mistério, não é resolvê-lo. Fátima ajuda a fazer parte do mistério da fé. Nove em cada dez portugueses dizem fazer parte deste mistério.
Expresso, 2000/05/06
O Papa Está a Chegar a Portugal. No centro desta terceira presença de João Paulo II na nossa terra está Fátima.
«Eu devo a minha vida a Nossa Senhora de Fátima», confidenciou o Papa ao cardeal Eduardo Peróneo, logo depois do atentado de 13 de Maio de 1981, na Praça de S. Pedro. João Paulo II, uma das figuras centrais da história contemporânea, situa na terra portuguesa a sua sobrevivência, o seu pontificado.
É a História, a de Portugal e a da Humanidade, e é a fé, essa realidade insondável da intimidade humana, que se entrelaçam nesta visita.
A beatificação de Jacinta e Francisco entrelaça também os factos humanos, a História, com o mistério da fé. Jacinta e Francisco não são figuras virtuais, são duas crianças que existiram, com uma história própria e intorneável.
A fé que move João Paulo II, que o traz a Fátima no auge de um martírio físico, num testemunho impressionante que silencia qualquer coração de boa-vontade, não é um acto gratuito, um palpite totalmente arbitrário sobre o sentido da vida.
Também a fé que desde há mais de oitenta anos move, a 13 de Maio, centenas de milhares de portugueses para o santuário de Fátima (e este ano parece que mais de um milhão) não é redutível a um simples fenómeno psicológico, que nuns dá e noutros não.
A força da fé cristã são os factos. No cristianismo a fé não está aqui e a História ali, História e fé confundem-se, os factos são o equilíbrio da fé. Esta foi a luz do meu longo percurso agnóstico.
Se noutro tempo o grande crime contra Fátima foi a manipulação, hoje o grande crime contra Fátima é a ignorância.
Três crianças simples e normais afirmaram ter tido a experiência de uma aparição. Mentiram? Como sempre releva nos tribunais, não houve apenas uma testemunha, houve mais, eram três. Mentiram todos? Contradisseram-se? Parece que não.
Uma delas (Jacinta) disse aos pais, no Verão de 1917, que numa das aparições Nossa Senhora dissera que ela e o irmão (Francisco) em breve morreriam. O leitor é uma pessoa sensível: pode imaginar dois filhos seus, de boa saúde, um com sete outro com nove anos, a dizerem-lhe isto com uma certeza tranquila? De facto, estas duas crianças morreram passado pouco tempo.
E depois da aparição de Julho, com descontraída serenidade, comunicaram as crianças que Nossa Senhora dissera que no dia 13 de Outubro faria um milagre para que o povo acreditasse no que elas andavam a dizer.
Era tremendo o pavor dos familiares de Lúcia, Jacinta e Francisco naqueles dias de Outubro. Se não acontecesse qualquer milagre no dia 13 e naquela hora prevista, temiam que o povo matasse os miúdos e quem sabe se os familiares. João Marto, irmão de Jacinta e Francisco, ainda vivo, conta que não foi à Cova da Iria com medo de que não houvesse milagre e o matassem também a ele.
No dia 13 de Outubro, contam os jornais da época, à hora da aparição, a chuva intensa subitamente parou, o chão encharcado secou, o Sol mexeu-se em movimentos bruscos e estranhos, caíram pétalas do céu que o povo tentava apanhar com as mãos ou abrindo e pondo os guarda-chuvas ao contrário.
Quem presenciou ou vivenciou estes factos? Uma seita de alucinados, um grupo de religiosos dispostos a acreditar em tudo ou a deixar-se transtornar? Não, estavam pelo menos cinquenta mil pessoas na Cova da Iria à espera do milagre e são unânimes os testemunhos, incluindo os de gente céptica, sobre os acontecimentos extraordinários que então ocorreram.
E que sucedeu aos miúdos? Factos desta intensidade, a serem verdadeiros, teriam que mudar as suas vidas.
E as suas vidas transformaram-se radicalmente, em coerência extrema com o que disseram ter vivenciado. Morreram em breve os dois mais novos e viveram tão heroicamente as virtudes cristãs que a Igreja decidiu agora a sua beatificação. Lúcia, que podia ter enriquecido a contar esta história, fechou-se num convento carmelita a rezar.
Se estas crianças fossem a tribunal ser julgadas, seriam condenadas por mentir? Como assim? As testemunhas são várias, são três, e a sua credibilidade tem a dimensão da própria santidade.
Fátima não esclarece o mistério de Deus, pela simples razão de que nada ao alcance do Homem é suficiente para o esclarecer.
Fátima adensa ainda mais o mistério da fé, tornando-o mais razoável. Ter fé é fazer parte de um mistério, não é resolvê-lo. Fátima ajuda a fazer parte do mistério da fé. Nove em cada dez portugueses dizem fazer parte deste mistério.
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