Mensagens

A mostrar mensagens de 2006

Mas queremos mesmo valores?

Público, 20061120 Mário Pinto 1.O recente e extraordinário congresso da Fundação Gulbenkian, sobre o tema Que Valores para Este Tempo?, abriu com uma conferência inaugural de Eduardo Lourenço, que escolheu dissertar À Sombra de Nietzsche - foi este o título que deu ao seu discurso. Título que, em si mesmo, faz muito sentido, porque se há coisa evidente é que Nietzsche ensombra, e não ilumina. Não porque não tenha sido genial, contraditório, violento e o mais que os seus admiradores frequentemente lhe creditam; mas porque, afinal, fazendo filosofia (amor da sabedoria), entronizou o que porventura pode dizer-se a irracionalização da razão: a "vontade de poder", o "super-homem", aquele pathos que veio a dar o nazismo - com efeito, muitos o consideram o profeta da loucura nazi. 2. Nietzsche atacou a virtude cristã como uma moral de escravos - moral que não apenas criticava, mas sobretudo detestava, porque nela via exactamente a sua contradição. A boutade vulgar que prof

Critica da razão cómoda

Público, 20061106 Mário Pinto 1. Todos os autores estão de acordo em reconhecer que se deu, no Ocidente, desde as últimas décadas do século XX, uma mudança nas mentalidades e na cultura. Mentalidades quer aqui dizer costumes de pensar e agir relativamente interiorizados e partilhados; modos de ver, de pensar, de viver, de aspirar. Cultura quer aqui dizer pensamento teórico das ciências, da filosofia e das artes, da educação e da informação; pensamento dominante ou hegemónico. 2.As origens ou causas destas enormes mudanças são muito controvertidas, embora seja fácil listar múltiplos contributos ou influências. Desde as revoluções da economia, das novas tecnologias da informação e da comunicação (factores materiais), até às contribuições do pensamento teórico de vários quadrantes, designadamente a partir dos primeiros "mestres da suspeita" até aos mais recentes criticismos negativistas (factores intelectuais). Diz-se: uma nova era se abriu, a pós-modernidade ou sociedade pós-mo

O célebre relatório Kissinger e a política internacional maltusiana

O célebre relatório Kissinger e a política internacional maltusiana Mário Pinto In: Público, 061023 1.No meu último artigo, interroguei-me acerca das razões pelas quais um crime tão repugnante como o aborto, condenado pela consciência da nossa cultura civilizacional desde há dois milénios, sem discordâncias a não ser por parte das grandes ideologias totalitárias do século XX (nazismo e comunismo), se tornou, de repente, e sem novas razões doutrinais nem científicas, como algo de, não apenas lícito, mas até pretendidamente direito fundamental da mulher (só da mulher), decorrente da propriedade do seu corpo. 2. E cheguei à conclusão de que haveria, sem dúvida, uma explicação na mudança de cultura e das mentalidades. Mas, visto que as mudanças culturais, mesmo no nosso tempo acelerado, são mais lentas do que tem sido a reviravolta (ou revolução) do aborto, procurei o concurso de algum factor catalisador. E achei que esse factor foi e é a política maltusiana do ocidente próspe

Fé, razão e Universidade: Memórias e Reflexões

Queridos amigos: Muito se tem dito acerca da lição do Papa na Universidade de Regensburg. Contudo, muitos só sabem o que o Papa disse através da visão-espectáculo da comunicação social. Porque a lição do Papa merece ser estudada por todos, atrevi-me a tentar traduzi-la para Português, mesmo antes de qualquer versão oficial. É esta tradução (apressada e, por isso, não revista com o cuidado que merece) que vos envio agora na esperança de que possa ser de ajuda ao nosso e ao esclarecimento dos outros Um abraço amigo Pedro Aguiar Pinto Top of Form Fé, Razão e Universidade: Memórias e Reflexões Bottom of Form Discurso do Papa na Universidade de Regensburg (tradução em inglês) . Vossas Eminências, Vossa Magnificência, Excelências, Distintos Senhoras e Cavalheiros, É uma experiência comovente para mim estar de volta á universidade e poder, mais uma vez, dar uma lição neste pódio. Penso naq

Bento XVI e os terríveis silêncios

João Bénard da Costa Público, 2006-06-06 “Se Deus existe, odeio-O”, diz uma personagem de Bergman quando a querem fazer aceitar, na morte do amado, a vontade de Deus. Será blasfémia? Quantos não terão dito ou sentido o mesmo no horror de Auschwitz? Mas foi nesse horror que uma rapariga de 27 anos escreveu esta coisa enorme, tão enorme como as palavras do Papa: “Se Deus deixar de me ajudar, eu estarei aqui para ajudar Deus” 1. No Verão de 1980, estive uns dias na Polónia, cerca de dois meses antes das grandes greves de Gdansk, dos dias heróicos do Solidariedade e de Lech Walesa. A bem dizer, a electricidade sentia-se no ar. Não dei muito por ela em Varsóvia, que me pareceu o cenário de um filme que se tivesse passado em Varsóvia antes de 1939, num jogo de espelhos semelhante ao do início de To Be or Not To Be, o mais genial filme de Lubitsch, precisa e não casualmente situado na Polónia, quando esse cenário começou a desabar. Mas em Cracóvia pressenti encontros marcados com a História.

Bento XVI e os terriveis silencios

Bento XVI e os terríveis silêncios Público, 04/06/2006 João Bénard da Costa “Se Deus existe, odeio-O”, diz uma personagem de Bergman quando a querem fazer aceitar, na morte do amado, a vontade de Deus. Será blasfémia? Quantos não terão dito ou sentido o mesmo no horror de Auschwitz? Mas foi nesse horror que uma rapariga de 27 anos escreveu esta coisa enorme, tão enorme como as palavras do Papa: “Se Deus deixar de me ajudar, eu estarei aqui para ajudar Deus” 1. No Verão de 1980, estive uns dias na Polónia, cerca de dois meses antes das grandes greves de Gdansk, dos dias heróicos do Solidariedade e de Lech Walesa. A bem dizer, a electricidade sentia-se no ar. Não dei muito por ela em Varsóvia, que me pareceu o cenário de um filme que se tivesse passado em Varsóvia antes de 1939, num jogo de espelhos semelhante ao do início de To Be or Not To Be, o mais genial filme de Lubitsch, precisa e não casualmente situado na Polónia, quando esse cenário começou a desabar. Mas em Cracóvia pressenti

Discurso do Papa Bento XVI ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA BENTO XVI À POLÓNIA DISCURSO DO SANTO PADRE  DURANTE A VISITA AO CAMPO  DE CONCENTRAÇÃO DE AUSCHWITZ-BIRKENAU Domingo, 28 de Maio de 2006 Tomar a palavra neste lugar de horror, de acúmulo de crimes contra Deus e contra o homem sem igual na história, é quase impossível e é particularmente difícil e oprimente para um cristão, para um Papa que provém da Alemanha. Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante.  Há 27 anos, no dia 7 de Junho de 1979, estava aqui o Papa João Paulo II ; então ele disse: