Meter a colher
Repito, para que não fiquem quaisquer dúvidas sobre isto: ainda que uma figura pública retire benefícios do seu estatuto - desde logo, reconhecimento, que se traduz em prestígio e em dinheiro -, tal não significa que tenhamos o direito de exigir em troca a eliminação da sua privacidade. Isso seria expropriar um cidadão do direito à intimidade, valor sagrado em qualquer democracia, tanto para anónimos como para famosos. Contudo, quando é a própria figura pública a optar por expor a sua privacidade, ainda que da forma mais crua e pelos piores motivos, nós não devemos eximir-nos de efectuar um escrutínio público (e, já agora, moral, essa palavra que assusta tantos filósofos da pós-modernidade) das suas acções, até porque tais acções são amplificadas precisamente por se ser uma figura pública.
A opção pela não-notícia, nesse sentido, acaba paradoxalmente por ser uma opção muito pouco neutra, porque ela opta pelo silenciamento num caso em que se exige a denúncia de um comportamento a todos os títulos inadmissível. Não noticiar é condescender, é dar corpo à velha máxima "entre marido e mulher não se mete a colher". Ora, como me parece óbvio, há casos, como este, em que se tem a obrigação de meter a colher - não porque se saiba que Bárbara Guimarães foi efectivamente vítima de violência doméstica (o que existe neste momento é uma queixa), mas porque se sabe que Manuel Maria Carrilho, enquanto marido mas sobretudo enquanto pai, ultrapassou todos os limites do civismo e da decência nas sucessivas declarações que proferiu à comunicação social.
Reduzir o que se está a passar a simples voyeurismo das massas é, por isso, uma falácia. Em primeiro lugar, porque a questão da violência doméstica é um problema gravíssimo em Portugal, que está longe de ter a atenção que merece, e que temos a obrigação de levar sempre a sério - e investigar - quando é denunciado. Em segundo lugar, porque um jornal de referência não é só feito de páginas de política e de economia, e quando um caso de vida se impõe com tanta força como este, ignorar não é uma opção. Pelo contrário: ignorar pode ser considerado uma forma, ainda que involuntária, de indiferença. Ora, nem toda a gente que pára diante de um acidente é um mirone. Há quem queria apenas ajudar. E ajudar a compreender o que acontece, e a denunciar aquilo que está mal, é a mais nobre das tarefas de um jornal de referência. Como o PÚBLICO se orgulha, justamente, de ser.
A opção pela não-notícia, nesse sentido, acaba paradoxalmente por ser uma opção muito pouco neutra, porque ela opta pelo silenciamento num caso em que se exige a denúncia de um comportamento a todos os títulos inadmissível. Não noticiar é condescender, é dar corpo à velha máxima "entre marido e mulher não se mete a colher". Ora, como me parece óbvio, há casos, como este, em que se tem a obrigação de meter a colher - não porque se saiba que Bárbara Guimarães foi efectivamente vítima de violência doméstica (o que existe neste momento é uma queixa), mas porque se sabe que Manuel Maria Carrilho, enquanto marido mas sobretudo enquanto pai, ultrapassou todos os limites do civismo e da decência nas sucessivas declarações que proferiu à comunicação social.
Reduzir o que se está a passar a simples voyeurismo das massas é, por isso, uma falácia. Em primeiro lugar, porque a questão da violência doméstica é um problema gravíssimo em Portugal, que está longe de ter a atenção que merece, e que temos a obrigação de levar sempre a sério - e investigar - quando é denunciado. Em segundo lugar, porque um jornal de referência não é só feito de páginas de política e de economia, e quando um caso de vida se impõe com tanta força como este, ignorar não é uma opção. Pelo contrário: ignorar pode ser considerado uma forma, ainda que involuntária, de indiferença. Ora, nem toda a gente que pára diante de um acidente é um mirone. Há quem queria apenas ajudar. E ajudar a compreender o que acontece, e a denunciar aquilo que está mal, é a mais nobre das tarefas de um jornal de referência. Como o PÚBLICO se orgulha, justamente, de ser.
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