Juro que não

VASCO PULIDO VALENTE Público 08/11/2015

Se o dr. Cavaco resolver dar posse a António Costa não dará posse com certeza a um governo coerente, estável e duradouro.

Um acordo com uma dúzia de pontos, mesmo multiplicado por três, nunca pode ser a garantia da actividade de um governo. Governar, como toda a política, é um conflito permanente: entre membros de uma coligação (se ela por acaso existe), entre ministros, entre quem manda e quem deve obedecer mas não obedece. Ao fim de oito dias um compromisso jurado ou escrito num papel acaba por se tornar numa vaga promessa irreconhecível e amputada. As decisões que se tomam em S. Bento ou na Gomes Teixeira dependem do dinheiro, da oportunidade, da resistência que provocam e de um apoio ilusório e pouco previsível. O resto não passa de uma conversa metafísica a benefício da Assembleia da República ou da televisão, que tende a acreditar no que lhe dizem e a não perceber as coisas.
A única maneira de controlar o que se passa é ter directamente na mão o poder a que se chama, com propriedade, executivo. O PC e o Bloco não quiseram ir para o governo do dr. Costa por três claríssimas razões. Primeiro, querem evitar que o descontentamento, sempre inevitável, e agora mais numa situação de crise, caia sobre eles e venha a diminuir o seu já exíguo eleitorado. Segundo, precisam de uma porta aberta para uma saída nada airosa, mas muito rápida: as pequenas seitas vivem de ilusões e, quando desiludem, morrem. E, terceiro, preferem algumas vitórias de longe na Assembleia da República a ter dia a dia de carregar as “gaffes” de uma gente cheia de zelo e sem experiência: sem dúvida a pior das combinações. Jerónimo de Sousa não nasceu ontem, parece que Louçã educa Catarina Martins.
Se o dr. Cavaco resolver dar posse a António Costa não dará posse com certeza a um governo coerente, estável e duradouro. Dará posse a uma velha igreja que sempre se distinguiu pelas suas querelas teológicas e que, apesar de caduca, não desistiu do exercício. Os grupinhos que infestaram a Primavera e o Verão de 2015 não foram engolidos pela sua triste figura eleitoral. Estão aí por detrás de cada pedra à espera que Jerónimo, Catarina ou Costa mexam um dedo para os desfazer com aquele ódio fraternal que distingue a verdadeira esquerda. E hoje com a ajuda das centenas de “sensibilidades” do PS, que o novo regime deixou de fora e por quem os jornalistas se pelam para estabelecer a sua trapalhadazita da ordem. O dr. Cavaco irá dar posse a uma balbúrdia, por definição instável e incoerente, e ainda por cima bastante mais curta do que ele pensa. No meio desta catástrofe só me espanta o dr. António Costa: não o achava estúpido, juro que não.

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