“A morte assusta-nos porque nós fomos feitos para a vida”

RR 01 Nov, 2015 - 11:18 

Duarte Andrade e Sousa tinha 28 anos quando o seu irmão mais velho foi assassinado. A experiência brutal deixou-o mais bem preparado para lidar com a morte de outros, algo que faz enquanto sacerdote.
No Verão de 2014, quando o padre Duarte Andrade e Sousa tinha apenas 28 anos, o seu irmão mais velho, com 30 anos acabados de fazer, tentou proteger uma amiga que estava a ser assediada. Acabou esfaqueado no coração. Depois de nove dias em coma, morreu.
É por isso com conhecimento de causa, e não apenas a doutrina aprendida no seminário, que o padre fala deste assunto.
“Foi um momento muito marcante na minha vida e da minha família, mas ao mesmo tempo não tenho dúvida que foi dos momentos mais claros para mim da presença de Deus na Sua Igreja, naqueles que estavam à nossa volta, na maneira como senti que sempre que a Igreja reza pelos moribundos, sempre que a Igreja reza pelos mortos está a rezar por pessoas concretas.”
A Igreja comemora este domingo o Dia de Todos os Santos e, segunda-feira, o dia dos Fiéis Defuntos. A proximidade das datas não é coincidência, mas pretende recordar que a morte não é o fim, mas um passo para a santidade, que deve ser o objectivo de cada cristão.
Para o padre Duarte, prior do Alto do Lumiar, em Lisboa, a morte revela sempre para os cristãos uma tensão entre aquilo em que se acredita e aquilo que se sente. “É importante compreender e aceitar aquilo que a pessoa está a sentir e está a viver. E por isso é natural a tristeza, são naturais as lágrimas, humanamente falando, claro que é natural, porque se gostamos de alguém, claro que nos custa, por mais fé que tenhamos, a ausência dessa pessoa.”
“Não podemos ignorar isso. Não podemos dizer às pessoas que estamos contentes porque acreditamos na vida eterna. Mas, ao mesmo tempo, aquilo que a Igreja faz é dar um horizonte maior, um horizonte de esperança, e apontamos à pessoa um caminho, para que essa pessoa não fique presa só na morte, mas veja para além da morte.”
Os defuntos “têm caras”
Esta mensagem é particularmente válida numa altura em que a Igreja recorda os Fiéis Defuntos: “Para mim esses fiéis defuntos não são só anónimos, mas são aqueles que tocaram a minha vida, o meu irmão, os que estão à minha volta, os meus amigos que já partiram, que são esses defuntos que têm caras. E se alguns deles têm caras e me dizem tanto, imagino para Nosso Senhor que conhece o coração de cada um”.
A experiência que viveu ajuda-o ainda a aproximar-se das famílias das pessoas cujas cerimónias fúnebres acompanha enquanto padre. “Nunca tive a pretensão de dar grandes lições de moral nos enterros, mesmo quando não tinha morrido ninguém próximo como o meu irmão, mas agora é diferente. Quando passamos por isso percebemos melhor as lágrimas das pessoas e, sobretudo, temos um olhar mais compreensivo. Não tira nada a certeza da nossa fé, por isso digo sempre palavras de esperança. E, quando falo, falo para mim também, porque não é um assunto resolvido, porque me lembro do meu irmão todos os dias, sofro com a sua ausência. Quando falo, falo para mim e para os outros.”
A morte pelos olhos da fé
E se o assunto não está bem resolvido, conclui o padre Duarte, é porque dificilmente pode estar, uma vez que o homem, diz a fé da Igreja, foi feito para a vida e não para a morte.
“Nosso Senhor é um Deus da vida, que nos quer dar a vida. Nós sabemos que pelo pecado vem a morte – ou seja, o corte desta relação que temos com Deus. Portanto, é sempre algo que nos assusta porque é sempre algo que nos afasta de Deus, a morte em si afasta-nos de Deus.”
“Agora, Nosso Senhor, na sua misericórdia, enviando ao mundo Jesus Cristo, venceu este corte de forma absoluta na Ressurreição. Por isso é que Nosso Senhor encarnou, fez-se homem, viveu como nós, em tudo igual a nós excepto no pecado, morreu como consequência dos nossos pecados, mas venceu esse corte definitivo que era a morte, para nos voltar a aproximar a Deus, para nos dar essa oportunidade de, como era o desejo inicial de Deus, vivermos sempre junto dele.”
O sacerdote deixa por isso um apelo a todos, para não esconderem nem fazerem da morte um tabu, mas, antes, olharem para ela com olhos de fé.
“Já ouvi muitas vezes dizer: ‘O avô está muito doente, está quase a morrer, não quero que o meu filho veja o avô dele nesta fase final para não ficar com uma má imagem’. Parece que estamos a proteger para não gerar um trauma”, diz.
“Na verdade, não estamos a preparar para aquilo que sempre aconteceu. A morte acontece na nossa vida e temos de olhar com olhar de fé para a morte, um olhar de esperança, não negando aquilo que é humano em nós e da dificuldade que sempre teremos com a morte, mas percebendo que não há melhor maneira de lidar com a morte do que viver bem na graça de Deus.”

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