Vários partidos, uma nação livre

JOÃO CARLOS ESPADA Público 05/10/2015
O líder da formação política que receber mais votos deve ser chamado a formar governo.

Diferentemente do possível leitor deste texto, não conheço os resultados das eleições à data em que escrevo. Esta desvantagem cognitiva pode no entanto fornecer um distanciamento favorável a uma reflexão tranquila.
Estou, de facto, tranquilo. Considero que qualquer resultado será bom e deve ser respeitado por todos nós. Isso decorre do facto crucial de as eleições terem decorrido em total liberdade ordeira, sem violência, sem perseguições e sem ameaças. Isso significa que cada eleitor pôde votar de acordo com a sua consciência.
Este facto crucial não decorre apenas dos nossos simpáticos brandos costumes. Também tínhamos simpáticos brandos costumes durante os 48 anos do Estado Novo e durante os 16 anos da I República. Nesses períodos, os nossos estimáveis brandos costumes certamente evitaram guerras civis e perseguições em massa. Mas obviamente não garantiram a liberdade ordeira sob a lei e a protecção da liberdade de consciência de cada um.
A liberdade ordeira de que temos usufruído nos últimos 40 anos, em rigor a partir do 25 de Novembro de 1976, decorre do regime democrático e liberal em que vivemos. Esse é o regime distintivo do Mundo Livre a que nos orgulhamos de pertencer. É certo que uns nos orgulhamos mais do que outros — mas esses outros também têm a nossa protecção para poderem livremente criticar o Mundo Livre que os protege. E devem seguramente fazê-lo, se for esse o mandamento da sua consciência.
Creio que é neste clima ecuménico que devemos olhar para os resultados das eleições, quaisquer que eles tenham sido. E é neste clima ecuménico que devemos refutar alguns amáveis disparates que foram ditos antes do acto eleitoral.
Um desses amáveis disparates consistiu em tentar introduzir alegadas sofisticações jurídicas na leitura das escolhas políticas dos eleitores. Foi dito que os deputados dos dois partidos da coligação PaF teriam de ser contados separadamente — isto é, como deputados do PSD e como deputados do CDS. Por esse motivo, se o PS tivesse mais deputados do que o PSD (mas menos do que a coligação PaF), o Presidente da República deveria nomear António Costa e não Passos Coelho para formar governo.
Há qualquer coisa bastante peculiar neste raciocínio. Imaginemos que a coligação PaF obtinha maioria absoluta no Parlamento, mas que, mesmo assim, o número de deputados do PSD era menor do que o número de deputados do PS. De acordo com aquele raciocínio, o PS teria ainda assim ganho as eleições — ainda que a coligação tivesse obtido maioria absoluta.
Este exercício mostra o que está errado naquele raciocínio: ele procura contornar o significado político das escolhas livres dos eleitores, tal como se exerceram no acto da eleição. Digo isto, repito, sem conhecer os resultados eleitorais. E, repito também, qualquer resultado será bom porque resultará das escolhas livres das pessoas.
Por isso, não creio que haja lugar a grandes dúvidas sobre o que deve acontecer a seguir: o líder da formação política que receber mais votos — a coligação PaF ou o PS — deve ser chamado a formar governo. Em seguida, caberá aos deputados recém-eleitos decidirem no Parlamento como devem lidar com a proposta de governo que lhes for apresentada. É isso que decorre do princípio “vários partidos, uma nação livre”.
Dois livros a não perder. Será lançado em Londres, no próximo dia 21, o segundo volume da biografia autorizada (mas não oficial) de Margaret Thatcher, por Charles Moore — o antigo director do diário The Telegraph e do semanário The Spectator, que em Junho passado proferiu a Palestra Dahrendorf no Estoril Political Forum, promovido anualmente pelo IEP-UCP. Nas edições de sábado e domingo últimos, The Telegraph dedica oito páginas a excertos exclusivos do novo livro.
Minha Formação, de Joaquim Nabuco, com Introdução de João Pereira Coutinho, foi apresentado na passada terça-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, por Adriano Moreira. Trata-se de mais um título de uma série promovida pela Academia Brasileira de Letras, intitulada “Biblioteca da Academia”, com o apoio da Gulbenkian, visando “diminuir a distância entre as margens do Atlântico”. Com Machado de Assis, Nabuco foi uma das maiores figuras literárias do século XIX brasileiro, bem como o líder da campanha pela abolição da escravatura. Era um patriota da língua portuguesa e um admirador da liberdade ordeira da cultura política inglesa.

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