Os ideólogos da pobreza

Henrique Raposo (www.expresso.pt)
Quinta feira, 15 de março de 2012 

Ao longo das últimas décadas, a tal globalização (a alcunha da nossa ordem internacional) retirou centenas de milhões da pobreza. Centenas de milhões. Na Ásia, na América do Sul e até em África. Porém, o complexo industrial da pobreza & ajuda continua a negar ou a desprezar este facto. Em 2012, o mundo está melhor do que estava em 2002 ou 1992. Ainda há dias, a ONU declarou que os objectivos do milénio foram alcançados. Mas isso não vende. O que vende são coisas como este livro de Jeffrey Sachs, que consegue falar de pobreza à escala mundial sem dar destaque a um pormenor: o aumento brutal da classe média mundial nas últimas décadas. Sachs diz que "mais de 8 milhões de pessoas por todo o mundo morrem a cada ano porque são demasiado pobres para permanecerem vivas". Isto é horrível? Sim. Mas há dez anos morriam mais pessoas. Há vinte anos morriam ainda mais. E há trinta morria toda a gente. Este tipo de livro dá a ideia de que nada mudou, aliás, dá a ideia de que as coisas mudaram para pior. Há um nome para isto: desonestidade intelectual.
Além do pouco respeito pelo facto central da política mundial do nosso tempo (centenas e centenas de milhões fora da pobreza), Sachs revela o velho complexo eurocêntrico. O esquema mental e moral de Sachs vê o "outro" num estado de completa dependência económica e até moral do homem ocidental. Se nós não ajudarmos com a nossa caridade, o "outro" vai morrer à fome. Sem nós, o "outro" é uma criança indefesa. Repare-se que Sachs mostra este tipo de paternalismo no exacto momento histórico em que o "outro" começa a caminhar pelo seu pé e a desafiar o Ocidente no campo económico. Enquanto Sachs diz que o resto do mundo precisa da nossa ajuda, o tal resto do mundo ergue-se e emancipa-se do paradigma de dependência. Bom sentido de oportunidade, sim senhor. 
Existem ainda uns pormaiores que este ideólogo da ajuda despreza com a arrogância típica dos donos da bondade. Como tem salientado Dambisa Moyo, seis décadas de ajuda a África tiveram um efeito nulo. "In the last 50 years, you've spent US$400 billion in aid to Africa. But what is there to show for it?", eis o que costumava dizer um Presidente do Ruanda. Em 1960, os países africanos eram mais ricos do que os países asiáticos. Ao longo de meio século, os africanos receberam toneladas de ajuda, e a sua situação piorou; durante o mesmo período, os asiáticos subiram à primeira divisão mundial sem ajuda. Para terminar, convém frisar que os países africanos que recusaram o modelo da ajuda têm um desempenho económico superior (África do Sul, Bostwana). Mas isto são factos, e os factos não interessam a quem demonstra tanto amor pela boa vontade, pela pureza de coração, pela Humanidade. 

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