O silêncio de Jesus

Pedro Lomba
Público, 2011-04-21 Pedro Lomba

Estamos na semana do processo contra Jesus Cristo. O julgamento de Jesus e o julgamento de Sócrates são os dois momentos fundadores da nossa civilização. Curiosamente, acabaram ambos com condenações à morte. Nenhum deles pode ser considerado um processo justo, nenhum assentou numa acusação legítima ou convincente, nenhum teve um desenvolvimento linear. E, por outro lado, os dois foram processos políticos.
Ao longo dos tempos, teólogos, historiadores, juristas, todos escreveram e discutiram abundantemente sobre cada passo do processo que levou à crucificação de Jesus. O interrogatório de Pilatos. O papel dos sacerdotes. O diálogo entre Pilatos e Jesus sobre a verdade, relatado pelo evangelho de João, no qual o jurista Hans Kelsen viu representada a oposição entre absolutismo e relativismo. A multidão democrática e manipulável clamando pela libertação de Barrabás em troca de Jesus. A questão da realeza de Jesus. A questão da jurisdição romana, diversa da jurisdição religiosa. A decisão final de Pilatos lavando as mãos.
Mas a nossa relação com o processo de Jesus é e continua a ser, em grande medida, a relação de quem não compreende. E não é tanto o desfecho que não compreendemos. Não são tanto os culpados que não compreendemos.
Nós compreendemos por que Jesus foi levado pelo Sinédrio para ser apresentado ao procurador romano. Para que Jesus morresse, não bastava a acusação religiosa. Para que Pilatos condenasse Jesus à morte, precisava de factos que implicassem a sua autoridade, precisava de uma culpabilidade terrena e política. Por isso os acusadores levaram Jesus até Pilatos apresentando-o como o malfeitor que se autoproclamava rei dos judeus. Por isso todos os evangelistas narram a primeira pergunta do interrogatório: "És tu o rei dos judeus?" "Tu o dizes", responde Jesus.
Nós compreendemos que, se Pilatos não tinha nada contra Jesus - "Não acho culpa alguma neste homem" -, do relato de João, como sabemos, o mais profundo e detalhado sobre o interrogatório, vem a referência ao diálogo da verdade entre Jesus e Pilatos. Quando Jesus responde: "O meu reino não é neste mundo", Pilatos diz: "Logo, tu és rei." E Jesus replica: "É como dizes. Eu sou rei. Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade." E depois cala-se, tal como fizera antes.
O que nós não compreendemos é o silêncio de Jesus. Em todas as fases do processo, Jesus praticamente não diz nada, não refuta nada. No Sinédrio, Caifás também tinha perguntado: "És tu o Messias?" E Jesus ficou em silêncio. Diante de Pilatos, Jesus também nada responde. (Só no relato de João lhe ouvimos dizer: "Tu perguntas isso por ti mesmo ou porque outros to disseram de mim?") Perante Herodes, para quem Pilatos o remetera, Jesus é novamente interrogado e também nada responde. Perante a multidão e os sacerdotes, sempre o mesmo Jesus silencioso.
O que nós não compreendemos, desculpem este "nós", o que eu não percebo é esse silêncio. É como se Jesus tivesse passado ao lado do seu próprio processo. Talvez porque não existisse processo. Talvez porque não existisse acusação. Devemos por isso usá-lo como modelo? Ou devemos pensar que o silêncio de Jesus também não é deste mundo?
O juiz e professor Gustavo Zagrebelsky diz, no seu livro A Crucificação e a Democracia (ed. Tenacitas): "Jesus que se cala, esperando até ao fim, é um modelo. Convida até ao fim ao diálogo e à reflexão. Infelizmente para nós, no entanto, não nos podemos permitir aguardar em silêncio até ao fim." Boa Páscoa.

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