Uns trocos podem trocar muitas vidas

CÍRCULO DA INOVAÇÃO         03.11.2016
  

No primeiro ano de faculdade há muita coisa que passa pela cabeça dos caloiros. Mas as preocupações sociais costumam ser raras e quase nunca aparecem de forma espontânea. António Bello é a exceção que prova a regra
No Natal do primeiro ano de Engenharia de Gestão Industrial pegou na guitarra e num amigo com boa voz e foi para o Chiado, em Lisboa. Em três horas de acordes e cantorias fizeram €50. Para dois miúdos de 18 anos aquele dinheiro podia ter vários destinos: ou aproveitavam para os presentes de Natal, ou iam jantar, ou bebiam um considerável número de cervejas. Era com este dilema que estavam a subir o Chiado quando se cruzam com mendigos que tinham à sua frente os copos para as moedas vazios.
Talvez tenha sido da época, talvez lhes fosse inerente, mas um espírito superior fez com os dois decidissem levar a jantar um grupo de seis pessoas que faziam da rua a sua casa. Este ato espontâneo transformou António Bello. Percebeu que tinha a capacidade de mudar a vida de pessoas com apenas uns trocos. Surge assim no Técnico um grupo estudantil criado a partir de uma “ideia pouco estruturada” cujo único objetivo era “movimentar fundos para criar mudança”. Baptizaram a ideia com um jogo de palavras. Chamaram-lhe Just A Change.
Durante cinco anos foi apenas um projeto de voluntariado até se transformar numa Associação sem fins lucrativos que este ano espera ganhar o estatuto de IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social). É em 2013 que os fundadores fazem uma reflexão do papel da Just A Change e percebem que podem fazer mais. António vê-se confrontado com a decisão de deixar a Sonae onde era estagiário e ficar na associação a tempo inteiro.
Uma decisão aparentemente difícil, mas que foi tomada de forma muito natural. “Não podia fechar os olhos à muita pobreza que existia e levar a vida de forma normal. Senti que era um desafio que a vida me estava a lançar”, explica com a mesma facilidade com que tomou a decisão. A pobreza a que se refere é a que existe escondida em todos os bairros lisboetas, dentro de portas onde pessoas vivem sem as mínimas condições de habitabilidade e que a Just a Change ajuda a tornar lares.
O projeto continua a viver essencialmente de voluntariado, todos os órgãos sociais são-no com a exceção dele próprio. Aos 25 anos é diretor e voluntário do que criou e viu crescer. “Reabilita casas para reabilitar a vida de pessoas”. Diz explica que “não inventou a roda” apenas descobriu como a por a rodar sobre o seu eixo sem solavancos. Para sobreviver o projeto recebe por cada obra que faz – há uma entidade interessada no impacto social que têm e contrata-os pagando um valor muito mais baixo do que pagaria a uma empresa de construção. O intervencionado também tem de contribuir para a obra “quer pagando, quer trabalhando, a pessoa tem que sentir que faz parte da solução. Isto é importante até de um ponto de vista pedagógico.”
Valeu-lhes o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e “da postura autocrítica que a direção tem sobre si mesma” para hoje não fazerem os mesmos erros de quando começaram “muito mal preparados, sem ter a mínima noção do que era preciso”. Hoje são requisitados por juntas de freguesia e paróquias que sinalizam alguém que precise mesmo.
No verão o projeto sai de Lisboa e ruma a outras zonas do país. António quer a curto prazo que ele se alastre às maiores cidades do país, agora que já quase domina aqueles que têm sido os maiores desafios “a liderança e a gestão de pessoas”. A idade é só um número no Bilhete de Identidade, mas admite que “cria alguma proximidade com os voluntários”. Tem-lhe valido a humildade, que se percebe nos primeiros minutos de conversa.
UMA IDEIA
“Construir com as grandes empresas modelos de negócios sociais acrescentados nas suas cadeias de valor. Um modelo de negócio social é aquele que substitui a maximização do lucro pela maximização do impacte social. É um modelo que pretende combater um problema social, abordando-o numa óptica de mercado para que este consiga sustentar-se. Utilizar o conhecimento e capital das empresas para que estas solucionem (ou ajudem a resolver) problemas sociais relacionados com as suas atividades, numa óptica de modelo de negócio que substitui integralmente o lucro pela maximização de impacte, parece-me uma forma interessante para uma eficiente distribuição de riqueza. Além disso gera-se emprego pois este modelos sugerem um aumento de capacidade das empresas. Aumento este que é sustentado pela sua própria atividade social. O negócio social da Grameen Danone (Bangladesh) é um bom exemplo disso”
UM DESAFIO
“Para quem trabalha numa ótica de criação de impacte social positivo, o que realmente interessa é o resultado e o bem comum que se pretende atingir e não quem assume protagonismo de o entregar. Gostamos de trabalhar em rede quando não nos retiram autonomia, poder e protagonismo. Trabalhar em rede de forma humilde e com vista única para o impacte e o seu público-alvo é um grande desafio do trabalho em rede”

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