Marcelo

Inês Teotónio Pereira
DN 2016.03.12
Um dos meus filhos era um bebé insuportável: chorava imenso porque, desconfio, detestava não saber andar, falar, não ser grande, enfim. E nada o entretinha. Eu, verdinha nestas coisas da maternidade, tentava calá-lo com mais comida, mais água, mais colo e mais penduricalhos. Nada resultava e a criança ia ficando cada dia um bocadinho mais mimada. Rapidamente percebi que dependia dela a fatalidade de a família crescer ou não: mais um bebé barulhento parecia inverosímil, logo, ou ele mudava ou nada de família numerosa. Até que um dia calou-se. Virei-o de frente para a televisão e ficou hipnotizado. Nesse dia o meu filho descobriu o professor Marcelo. Foi comovente: a criança ria, dava gritinhos, esperneava e ficava 30 minutos naquilo. Cada vez que o professor parava de falar e esbugalhava os olhos antes de uma grande revelação, o miúdo escangalhava-se a rir; outras vezes, fixava o olhar nos gestos do professor e nem se mexia; na maioria dos casos travava diálogos enigmáticos com a televisão. Quando percebi o efeito que o nosso Presidente tinha no meu bebé, passei a gravar as suas homilias de domingo e a família teve condições reais para crescer. Ao professor Marcelo muito devo, portanto.
Foi por tudo isto que, em família, assistimos com nostalgia à sua tomada de posse. De um dia para o outro a nossa bengala educativa durante mais de uma década trocou-nos por Ferro Rodrigues ao lado de quem faz discursos solenes. Sem vestígios de improviso e sem emoção. Já não gesticula nem se interrompe a meio das frases com os olhos esbugalhados, criando suspense com temas chatíssimos. Ele mudou. Foi a pé para a tomada de posse, tem um carro prateado, mas mudou. Só nos resta saber se esta passagem para o mundo dos grandes vai mesmo mudá-lo ou, ao invés, vai ajudar a mudar o país. Ninguém sabe (desconfio que nem ele). Mas sabemos que, para já, temos o afeto.

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