Costa, Afonso Costa

João César das Neves
DN 2016.03.03

Portugal em 1916 vivia uma grande crise, talvez a maior da história moderna. O governo de extrema-esquerda da época não só não resolveu nenhum problema nacional, mas decidiu criar um novo e terrível infortúnio, entrando na Grande Guerra a 6 de Março. O resultado foi tão mau que passaram cem anos (em 1975 não houve escolha) até o país voltar a querer experimentar essa orientação doutrinal. Esta não parece ter aprendido com a espera. O actual Parlamento, como há um século, ignora as dramáticas emergências do país, dedicando-se a males que a sociedade não tinha, para distrair os cidadãos.
No meio dos intensos desafios e dificuldades, é difícil encontrar uma lista das prioridades políticas que tenha nos primeiros lugares, ou sequer mencione, eutanásia ou adopção pelos quase inexistentes casais homossexuais. Junto aos perigos angustiantes da nossa economia, esta opção desafia o mais elementar bom senso. É difícil entender o critério de responsáveis nacionais que, nestas circunstâncias, se dedicam a estes temas dolorosos, complexos e controversos. Isto só se entende da mesma forma que a jogada bélica do Partido Democrático há cem anos: distracção dos sofrimentos por meio de delírios ideológicos.
Infelizmente o mesmo padrão repete-se em múltiplos sectores. A Educação tem inúmeros problemas a vários níveis, que parecem alheios ao novo ministro. Começou com a arrogância infantil de, dias após a posse, criar confusão generalizada com o anulamento sôfrego das regras do ano lectivo em curso, em mais uma das múltiplas reformas iluminadas do sistema de avaliação. Em seguida, com a prepotência de que a extrema-esquerda sempre se queixa, mas que pratica com fervor logo que tem poder, ameaça avaliar "de forma criteriosa" os contratos de associação celebrados com escolas privadas. Este é um dos exemplos mais evidentes do despotismo estalinista em acção. Reduzir os contratos de associação prejudica os alunos e os pais, limita a liberdade, piora a qualidade do ensino e aumenta os custos da educação. Mesmo que as escolas fossem todas iguais, reduzir a escolha e concentrar os alunos nas públicas seria mau para todos, levando o Estado a gastar mais dinheiro por aluno. Evidentemente que não é o interesse nacional ou o cumprimento da missão ministerial que está em causa, mas a cedência a dogmas ideológicos e pressões corporativas. Exactamente como há cem anos.
Apresentar como emblemática a redução do horário dos funcionários públicos consegue ser ainda mais escandaloso. Que um governo de esquerda se dirija aos inúmeros trabalhadores portugueses que trabalham mais de 40 horas por semana, aos contribuintes que pagam os salários do Estado e às multidões de desempregados, e lhes diga que reduzir para 35 horas o horário dos funcionários é uma questão urgente de justiça, raia a infâmia. Pior, na mesma medida, o governo consegue também insultar os próprios que pretende beneficiar. De facto, garantir que esta descida de mais de 10% no seu trabalho não terá efeitos na despesa pública só pode significar que eles pouco ou nada produzem.
Outras prioridades são igualmente fantasiosas. O país enterrou milhões ao longo de décadas nas empresas públicas de transportes, que acumulavam défices crónicos. Só a crise permitiu começar a enfrentar os poderosos grupos de interesse que se acumulam nesse sector, e criar soluções europeias, abertas e empresariais, que garantam o serviço sem arruinar o Estado. A ânsia com que este governo se esforça por regressar à desastrosa situação anterior mostra claramente o poder dos referidos grupos, e como eles controlam as supostas forças proletárias que, como há cem anos, defendem, não os trabalhadores, mas maçonarias.
As tolices acumulam-se enquanto os sinais económicos pioram, perante a apatia dos governantes, distraídos com futilidades. Tivemos governos muito maus nestes cem anos, mas o actual inclui tiques e traços que não víamos desde os tempos de Afonso Costa. Entretanto, como há um século, os dirigentes põem a sua confiança em fábulas maravilhosas, como o crescimento por via do consumo, quando poupança e investimento estão em mínimos históricos, o crédito bancário continua a cair, a confiança dos credores internacionais é descartada e fervilha nova recessão europeia. Seria cómico se não fosse trágico.
Simbolicamente, agora o Bloco de Esquerda apresentou um cartaz sobre adopção homossexual invocando Jesus, que foi educado por pai e mãe. O pior do actual governo, como do cartaz, não é a orientação ideológica. É a estupidez.

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