Um Governo da Oposição

Henrique Monteiro
Expresso, 20151204

Do mesmo modo que ontem aqui escrevi que a direita não pode ficar amarrada à ideia da ilegitimidade do Governo, até porque o legitimara com a moção de rejeição do programa obrigando o Parlamento a um ato maioritário de não rejeição, digo hoje que o Governo e o PS não podem – como mostraram – reduzir-se a ser oposição ao Governo anterior. Têm, rapidamente, de apresentar propostas concretas e quantificadas. 
Que o Bloco e o PCP, que sustentam o Governo, se sustentam a si próprios de protestos vários, não é novidade. Por alguma razão são considerados ‘partidos de protesto’. Esse foi, aliás, o motivo que os fez estar fora de qualquer congeminação de Governo e os mantém fora deste mesmo Executivo. 
Mas o PS, que inicialmente oscilou entre ser partido de protesto ou partido de poder, tendo ganho esta última via há mais de 40 anos, não pode resumir-se ao protesto… até porque tem de governar. 
O debate do programa do Governo foi algo estranho. A esquerda parecia querer transformar o debate numa espécie de celebração pela queda da direita. Eu acho natural que um bloco possa celebrar a queda do outro, alerto é para o facto de isso não ser relevante para o cidadão comum. O que os senhores fizeram, ao contrário do que parece ser a crença de alguns, não foi outro 25 de Abril. 
Quem não faz parte de alguns grupos concretos – funcionários públicos ou de empresas de transporte, por exemplo – não sabe nem faz ideia do que lhe pode acontecer. Conhece a retórica do pôr dinheiro no bolso das famílias, mas a Constituição também diz que todos têm direito a uma habitação decente e não é por isso que todos têm esse direito. 
Ou seja, o PS não pode continuar (e houve, do meu ponto de vista, exceções que hoje já referi no Expresso Curto) a contentar-se com dois pontos em que batalhou muito: 
1) A legitimidade do Governo; 
2) A necessidade de alterar a política. 
No primeiro ponto, ainda que possam dizer que foram arrastados para a discussão pela retórica do PSD e do CDS (o que também é verdade), nada mais há a dizer, está tudo resolvido. No segundo, é caso para dizer que já ouvimos variadíssimas vezes e em diversíssimos tons a ideia de que é necessário virar a página da austeridade. Ouvimo-la de tal modo que me dá vontade de citar a 11ª Tese de Karl Marx sobre Ludwig Feuerbach: 
“Até agora os filósofos contentaram-se em interpretar o mundo de formas diversas, mas o que importa é transformá-lo”. 
Assim está o PS: até agora interpretou a política da coligação PSD/CDS de várias formas, mas não explicou o que vai fazer. 
A menos que o plano – e à esquerda costuma haver sempre um plano, mesmo que não funcione – seja o que Francisco Louçã descreveu hoje no ‘Público’: O Executivo devolve salários à Função Pública e devolve dinheiro nas pensões e – cito – “tem impulso para o primeiro ano. Depois confia na sorte e que a Europa nos esqueça”. 
É um plano tão mau que não quero acreditar. Enquanto houver facilidades de crédito do BCE – até março de 2017 – e os juros não subirem, andamos a fazer coisas bonitas, mas sem produtividade ou retorno em termos económicos. Depois, rezamos para que ninguém se lembre de nos começar a baixar ratings e subir juros. 
Para começar, não ter um número concreto em termos de Finanças, queixar-se do legado anterior e atirar-lhe as culpas de tudo, está demasiado visto. Mas não creio que o deixemos de ver. 
Sinceramente, acredito que este Governo chutará algumas despesas, deixará derrapar o défice (tentando que, como são operações one shot, ou seja únicas, tal não conte para processo de défice excessivo) e culpará o Governo anterior. 
Porque tudo o que sabemos até agora são boas notícias para as corporações do Bloco e da esquerda do PS (essencialmente professores e funcionários públicos) ou do PCP (funcionários públicos e transportes) – os donos de restaurantes foi uma teimosia. De resto, cá esperamos pelos escalões do IRS, por saber o que acontece ao IMI e às diversas taxas e taxinhas. 
Para quem há quase dois meses dizia que era uma perda de tempo nomear Passos Coelho em primeiro lugar, porque havia esta maioria, podiam ter avançado um bocadinho mais o trabalho. É que agora… mete-se o Natal e as festas e já se sabe que respostas para isto é uma sorte tê-las antes disso. 
Mas o certo é que não podemos ficar com um Governo da Oposição…

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