Passos Coelho e o pântano

Miguel Pinheiro, Ponto 3, 20151113

Temos um problema: a divisão a que assistimos no país político não é artificial. Qualquer pessoa que saia de casa com os ouvidos abertos percebe que ela reflecte fielmente uma enorme divisão na sociedade. Como é que se resolve este terrível impasse?

Pedro Passos Coelho vestiu finalmente a armadura. Ontem, avisou os seus adversários que se arriscam a ficar na História como “golpistas” e sugeriu uma solução radical para o actual impasse político: a realização urgente de uma revisão constitucional extraordinária que permita a imediata antecipação das eleições. Era a consequência natural do pântano que o PS criou. Naturalmente, o líder do PSD não acredita que seja possível mudar a Constituição agora, à velocidade da luz. O objectivo da sua proposta é apenas o de deixar escrito em pedra que não aceita a situação em que estamos.
Portugal está a tornar-se numa originalidade política. Muito em breve, teremos algo que até hoje só se vira em países ocupados por tropas estrangeiras: existirá um governo legal e um governo no exílio. Tanto António Costa como Pedro Passos Coelho se apresentarão como primeiros-ministros legítimos, invocando um a Constituição e o outro a moral. Um estará em São Bento, o outro estará na São Caetano; um liderará um governo, o outro liderará um governo-sombra; um tomará decisões, o outro prometerá reverter as decisões tomadas.
Não é uma situação sustentável. Para chegar ao poder, António Costa precisou de criar um estado de excepção política; mas, para se manter no poder, precisa que esse estado de excepção política acabe rapidamente. Por isso é que disse à “Visão” esperar que “o ressabiamento nervoso da direita passe daqui a uns meses”. Sucede, porém, que o líder do PS não tem poder para acabar com ele sozinho e não terá a ajuda de ninguém. A extrema-esquerda precisa da excepcionalidade para continuar a pressionar o governo a ceder às suas crescentes exigências e a direita precisa da excepcionalidade para tentar fazer cair o governo.
Em 1986, quando Diogo Freitas do Amaral perdeu as eleições para Mário Soares, várias pessoas foram para a rua com um autocolante na lapela com a frase “O meu presidente é o outro”. Hoje, a situação é pior.
O grande problema é que esta divisão do país político não é artificial. Qualquer pessoa que saia de casa com os ouvidos abertos percebe que ela reflecte fielmente uma enorme divisão na sociedade. Em 1986, quando Diogo Freitas do Amaral perdeu as eleições para Mário Soares, várias pessoas foram para a rua com um autocolante na lapela com a frase “O meu presidente é o outro” – mas esse acto de contestação política durou escassos dias porque, na verdade, não havia dúvidas sobre quem era o presidente de todos. Hoje, esteja no governo quem estiver, metade do país anda com um autocolante metafórico a dizer “O meu primeiro-ministro é o outro” – mas agora essa sensação de alienação ameaça prolongar-se.
Como é que isto se resolve? Só há duas soluções. Uma: esperar que o pântano desapareça sozinho. Outra: fazer eleições o mais rapidamente possível. Em democracia, os pântanos têm tendência para se eternizarem, enquanto o voto tem o hábito de resolver tudo.

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