Não digam que não avisei!

José António Saraiva | SOL | 02/11/2015 

Até à última comunicação ao país do Presidente da República, o conceito de ‘arco da governação’ só existia para efeitos de análise política, pois não tinha qualquer valor institucional.
Ora, Cavaco Silva deu a essa expressão o selo oficial, definindo pela primeira vez as ‘fronteiras do regime’.
Cavaco disse que o PCP e o BE não devem fazer parte do Governo, nem o Governo deve depender deles.  
O Presidente foi claríssimo: «Nunca nos 40 anos de democracia os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Plano de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador».
Mas, para lá destas questões institucionais, Cavaco Silva também acha que um Governo da esquerda unida será economicamente desastroso.
«Receio muito uma quebra de confiança das instituições internacionais nossas credoras, dos investidores e dos mercados financeiros externos. A confiança e a credibilidade do país são essenciais para que haja investimento e criação de emprego» – disse.
E, nessa medida, prometeu «tudo fazer para impedir que sejam transmitidos sinais errados às instituições financeiras, aos investidores e aos mercados, pondo em causa a confiança e a credibilidade externa do país que, com grande esforço, temos vindo a conquistar».
Em conclusão, o Presidente da República deixou perfeitamente claro que, por razões políticas e por razões económicas, um Governo dependente do PCP e do BE será indesejável para o país.
Mas como é que o pode evitar? Depois de a esquerda unida chumbar o Governo de Passos Coelho, o que poderá Cavaco Silva fazer a seguir?
A vontade de Cavaco talvez fosse manter esse Governo em gestão.
Na verdade, na comunicação ao país também afirmou: «Se o Governo formado pela coligação vencedora pode não assegurar inteiramente a estabilidade política de que o país precisa, considero serem muito mais graves as consequências financeiras, económicas e sociais de uma alternativa claramente inconsistente sugerida por outras forças políticas».
É certo que o Presidente estava a comparar o Governo que Passos Coelho vai formar com o Governo que Costa queria formar com o PCP e o BE.
Cavaco ainda não estava a falar de um Governo de gestão.
Só que, por estranho que pareça, este não seria muito diferente.
Um Governo de gestão de Passos Coelho não teria poderes reais muito diferentes daqueles que teria se o seu Governo passasse na Assembleia.
Porque este também não conseguiria aprovar nenhuma lei, visto que todas seriam chumbadas pela maioria de esquerda; e a maioria de esquerda, embora com limitações, poderia fazer aprovar leis contra a vontade do Governo.
Além do inferno parlamentar, a esquerda unida criaria no país um ambiente pré-insurrecional.
Haveria manifestações diárias nas ruas, perseguições aos ministros, greves gerais, declarações incendiárias nos media, novos focos de revolta nas Polícias e eventualmente nas Forças Armadas.
Sabe-se o que a maioria PSD/CDS sofreu em 2013, quando se exigia a demissão de um Governo legítimo com maioria na AR.
Ora, o que aconteceria agora com um Governo de gestão enfrentando toda a esquerda?
Seriam oito meses terríveis, com Passos Coelho a chegar ao fim exausto.
E um Governo de iniciativa presidencial teria o mesmo problema, pois seria também chumbado no Parlamento.
Além de que o Presidente já descartara essa hipótese em 6 de outubro, quando disse que a responsabilidade da constituição do Governo «cabe exclusivamente aos partidos políticos».
Assim, embora contra-vontade,  Cavaco Silva não escapará a nomear António Costa para a chefia do Governo, com o apoio da extrema-esquerda.
O que poderá transformar Portugal numa mini-Grécia.
Quais cavalinhos de Tróia, o PCP e o BE estarão apostados em criar dificuldades nas relações com a Europa, em atacar os bancos e os banqueiros, defender as nacionalizações e o aumento da despesa pública, hostilizar os credores, pedir a reestruturação da dívida, etc.; é este o seu ADN.
Mas isto, sendo previsivelmente péssimo para Portugal, será ótimo para o esclarecimento da situação política.
A fuga para a frente de António Costa chegará ao fim – e finalmente ele vai perceber como é difícil governar.
Passará as passas do Algarve (como tento mostrar na crónica abaixo, escrita noutro tom).
Mas foi ele que quis assim…
Quanto a Cavaco Silva, hoje tão atacado, poderá vir a ter toda a razão nas advertências que fez em 22 de outubro.
Ainda há-de chegar o dia em que ele dirá: «Eu bem vos avisei!».
Usurpador ou sacrificado?
Muita gente considera António Costa um usurpador compulsivo, pois, após usurpar o poder a António José Seguro, prepara-se para o usurpar a Pedro Passos Coelho.
Eu não o vejo assim.
Vejo António Costa como um sacrificado.
Sacrificou-se a suceder a António José Seguro e sujeitou-se a disputar eleições legislativas.
Depois, apesar da derrota, ainda se sacrificou a negociar com a extrema-esquerda.
E agora prepara-se para se sacrificar a governar o país, apesar de saber muito bem todas as dificuldades que o esperam.
Costa sabe que não vai ser nada fácil governar, permanentemente entalado entre Bruxelas, de um lado, e o PCP e o BE, do outro.
Bruxelas vai exigir mais austeridade e mais reformas estruturais, enquanto o PCP e o BE exigirão a anulação das reformas estruturais que foram feitas e a devolução do que a austeridade roubou ao povo.
Além do equilibrismo político que precisará constantemente de fazer, Costa terá ainda de suportar a quase certa ofensiva dos mercados e das agências de rating, que se traduzirá no aumento dos juros da dívida portuguesa; e enfrentará a desconfiança dos investidores, que torcerão o nariz a investir num país onde o Governo depende da extrema-esquerda.
Costa deve ainda ser elogiado pelos sacrifícios que poupa à coligação que ganhou as eleições.
Se os últimos quatro anos foram tão difíceis com uma maioria absoluta no Parlamento, imagine-se o que Passos e Portas teriam de sofrer com um Governo minoritário, permanentemente bloqueado pela esquerda no Parlamento e contestado nas ruas.
Aí, António Costa assistiria de cadeirinha às dificuldades da coligação de direita; assim, tem de ser ele a arcar com as dificuldades.
A coligação PSD/CDS só tem, portanto, de lhe agradecer.
Repito: vejo António Costa como um sacrificado pela causa pública.
Primeiro, poupa à direita imensas chatices; depois, tem de aturar as exigências do PCP e do BE; finalmente, verá os burocratas de Bruxelas exigir-lhe metas impossíveis de cumprir.
Alguém gostaria de estar num lugar destes?
Só mesmo António Costa se disporia a desempenhar o seu próprio papel.

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