Chapelada parlamentar ou as esquerdas lavam mais branco

António Pinho Cardão
ionline 20151111

A coligação das esquerdas seria legítima se se apresentasse como tal às eleições ou se cada um dos partidos tivesse assumido, no contexto eleitoral, um acordo de governação

O futuro governo, a haver, liderado pelos socialistas, pode respeitar a lei, mas ofende todos os princípios de ética e de ética política e não é compatível com a democracia. De uma penada, e em chapelada de bastidores, adultera de forma brutal o veredicto do povo expresso em eleições, impedindo a coligação vencedora de governar.
E se em democracia todos os partidos têm iguais direitos (e também, não se esqueça, iguais deveres perante os cidadãos), em democracia há eleições, e as eleições delimitam o direito de governar, atribuído a quem as ganha. E criam um dever a quem as perde, o de fiscalizar quem ganhou e governa. 
Contrariar esta norma é chapelada nas urnas, não é atitude democrática.
A coligação das esquerdas seria legítima se se apresentasse como tal às eleições ou se cada um dos partidos tivesse assumido, no contexto eleitoral, um acordo de governação. 
Não o fez, os portugueses votaram enganados, os resultados eleitorais foram subvertidos e torturados por jogos rasteiros de poder do Partido Socialista, por debaixo da vontade dos eleitores. Mais um passo fatal para a descredibilização do sistema político. Nas repúblicas das bananas é que as eleições são mero pró-forma e o voto dos cidadãos vale zero.
O antagonismo entre o programa socialista apresentado ao eleitorado para lhe recolher os votos e os dos parceiros que irão sustentar o governo é tão grande que nenhum arranjo, oportunista ou florentino, permite sequer aparentar que concilia. 
Não é possível compatibilizar o programa socialista em que os eleitores votaram com políticas como o desmantelamento da União Económica e Monetária ou a libertação do país da submissão ao euro, ou a revogação do Tratado Orçamental, o fim do programa de estabilidade e crescimento ou a reestruturação da dívida, pelo abate da maioria da mesma.
Não é possível qualquer harmonização do programa socialista com um colossal agravamento fiscal, inibidor do investimento, com a nacionalização do sistema bancário e do sector da energia, com a reversão das privatizações e a recuperação estatal dos sectores básicos estratégicos, com a imposição de mínimos obrigatórios da carteira de crédito dos bancos a uma série alargada de sectores da economia, sem olhar ao risco, ou a oposição à redução da TSU, bandeira do programa socialista. 
Trata-se de uma essencial incoerência programática que fatalmente irá criar conflitualidade na aprovação das leis no parlamento, tanto mais que as tensões entre os partidos subscritores, não resolvidas num acordo geral, aflorarão sempre que se torne necessário votar matérias em que conflituam. 
Sustentar neste quadro, como António Costa o afirmou, que o programa vai manter a trajectória descendente do défice abaixo de 3% e, simultaneamente, acabar com a austeridade é demagogia sem limite, provocação sem nome nem perdão, logo verificada no aumento previsto das pensões mais baixas de 1,8 euros por mês.
A democracia tem regras e elas não podem ser subvertidas por mero capricho de assegurar lideranças postas em causa por derrotas eleitorais. 
Lamentavelmente, as esquerdas lavam mais branco e uma violação tão brutal de princípios básicos da ética política vai ser apresentada como reflexo cristalino da vontade popular.
O uso ilegítimo do voto que tão brutalmente se prepara não é democracia, muito menos democracia de qualidade. 
Nota final: nesta lamentável onda socialista, o PC e o Bloco limitaram-se a aproveitar a boleia que o PS, de bandeja, lhes ofereceu. Só por masoquismo não aceitariam.
Economista e gestor
Subscritor do manifesto Por uma Democracia de Qualidade

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