NO CASAMENTO, O AFECTO E O PATRIMÓNIO
Isilda Pegado | Presidente da F.P.Vida
Boletim Salesiano
1 – O Casamento é uma realidade de tal
forma complexa que até hoje não existe uma definição universal que agrade a
todos. O casamento não é apenas um contrato, é uma realidade que envolve
afectos, geração de vida, solidariedades várias, vínculos directos e
colaterais, obrigações presentes e futuras, comunhão nos rendimentos de
trabalho, património, educação, transmissão de valores e tradições,
fiscalidades, efeitos sociais e económicos, etc., etc.
2 – A lei não se ocupa dos afectos. E
bem. Em parte alguma do Código Civil se exige que para casar haja amor entre os
cônjuges. Não é, nem nunca foi causa de divórcio, a ausência de paixão entre os
cônjuges. À lei importa acima de tudo regular as questões patrimoniais que derivam
do casamento. E, fá-lo porque reconhece que esta concreta relação entre duas
pessoas é movida por circunstâncias (afectos, etc.) que podem retirar às partes
a equidade e justiça que são devidas.
3 – Isto é, o nível de intimidade entre
marido e mulher é tal, que pode não permitir avaliar com clareza como se há-de
gerir os proveitos do trabalho, as poupanças e o património em geral, muito em
particular nos casos de ruptura. Não se trata só de contas de “deve” e “haver”
mas também no sentido em que o património é parte da identidade de uma pessoa.
4 – O vencimento auferido é mais do que o
número de euros que se recebe no final do mês, é a entrega da pessoa, é a sua
dignidade ali espelhada. Os bens de família, por exemplo, têm uma história, um
valor que vai para além do mercado.
5 – Mas a lei não faz tudo. E bem. Há no
casamento uma relação de entrega e confiança que não pode ser cega. Por vezes verifica-se
uma negligência de si próprio, que embora pareça amor é antes um comodismo que
a ninguém aproveita. Ou até, uma falta de comunhão.
Não é raro, que na gestão dos bens seja um dos cônjuges que
se encarrega dessa área. Tal forma de agir nada tem de errado. Mas a entrega a
um dessa tarefa não pode implicar “desinteresse” do outro. Em primeiro lugar,
porque a comunhão conjugal deve ser vivida em gestos concretos. Em segundo
lugar, porque o interesse do outro pelo destino dos bens é também factor de
afecto e interesse por quem tem em primeira linha a tarefa. Em terceiro lugar,
porque é necessário reconhecer a nossa imperfeição e as inúmeras vezes que
podemos cair no disparate, na aventura, na prodigalidade, etc., etc. Ora, a
unidade conjugal também nos pede que ajude o meu cônjuge nestas eventuais
“quedas”. Tudo temperado com muita humildade.
6 – Por fim, (haveria muitas outras
razões) ainda acrescento que a não participação nesta matéria faz, tantas
vezes, pensar que há desinteresse pelo pecúlio comum, que tanto custa no
dia-a-dia.
7 – Recordamos a Rainha Santa Isabel. Era
uma Mulher – Rainha entregue ao marido, ao filho, aos pobres, à oração, à
família, etc., etc., e geria de forma minuciosa o seu património. Fazia
contratos e obrigava ao seu cumprimento, indo até à penhora de bens. Discutia
valores de obras, decidia com critérios os gastos a fazer… fazia render o que
pertencia à “Casa da Rainha”. E, estávamos em plena Idade Média, Séc. XIV.
8 – O casamento é este milagre diário e
constante, de entrega e interesse, de dar e receber, de dor e alegria, que nos
implica na totalidade do nosso ser. Muitas vezes com dificuldades porque não há
“receita” para este encontro de duas Liberdades que se completam e se tornam
numa só.
9 – Num tempo em que tanto se separam e
espartilham os papéis do homem e da mulher, ou se introduz a conflitualidade
(guerra de sexos) ideológica, que em nada contribuem para a felicidade das
pessoas, importa olhar para a realidade com a Liberdade que a todos foi dada
para a construção de um “tu” e de um “eu” que se elevam no Sacramento do
Matrimónio, e que nas pequenas coisas se renova constantemente.
O Casamento é também uma bela aventura, potenciada.
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