Porque é que nos trata assim?

Madalena Fontoura   Fundação Maria Ulrich, 2015.03.02


Passei o fim-de-semana, rodeada de grandes educadores. Um dom inestimável, mas não um acaso. Procuro estas ocasiões porque tenho claro que só educo se me deixo educar.
Desta vez, fiquei desafiada por uma certa professora de Português e Francês, que ensina numa escola estatal de uma pequena cidade nortenha. Contava-me que via o ensino do Francês perder terreno em relação ao Espanhol. Na sua opinião, o motivo é apenas a facilidade da língua espanhola, mais parecida com a nossa. Entende que o Francês é mais enriquecedor para os alunos, mais diferenciador no seu currículo e mais interessante do ponto de vista académico, pelo que resolveu ir à luta e juntar os alunos com ela.

Impressionou-me o seu entusiasmo, tão genuíno, e livre de qualquer pretensão de carreira. Esta Professora é das mais antigas da escola e também dá Português, pelo que a perda de turmas de Francês não lhe causa nenhum prejuízo laboral. Tem várias razões de ordem profissional e pessoal para não se dar a mais trabalhos do que os legalmente exigidos. Mas olha-se para ela e percebe-se que estes discursos, laborais, legais e outros que tais, não têm nada a ver com a sua paixão educativa.
Criou a "Semaine de la Francophonie", cheia de eventos. Os alunos fartam-se de trabalhar e estão radiantes. Um dos destaques são os crepes, que eles cozinham e vendem, apresentando-se impecáveis nos seus aventais bleu-blanc-rouge. Além do sucesso gastronómico, o lucro paga todos os gastos, incluindo os ditos aventais. O outro destaque é a apresentação de um filme francófono. O que há de especial é que o filme não é projetado na escola, mas sim no auditório municipal, com uma sessão em horário escolar e outra mais tardia para as pessoas da cidade poderem assistir. Um impacto cultural que provoca e atrai.

Mas a professora é conhecida por ser exigente. E aqui há tempos vieram uns resultados nada animadores, com vários alunos abaixo do seu potencial. A professora ralhou. Um dos alunos perguntou: "Porque é que nos trata assim?". "Assim como?" perguntou ela. "Ralha, mas depois está sempre connosco a fazer coisas". Com a prontidão com que faz crepes bem franceses, respondeu: "É porque gosto muito de vocês".

Neste fim-de-semana, a Professora de Francês nortenha e eu, juntamente com umas centenas de pessoas, lembrávamos um grande educador: um padre italiano que, nos anos 50, em plena crise de certezas, deixou o ensino da Teologia no seminário para dar aulas de Religião numa escola secundária. O que começara como um gesto aparentemente insignificante gerou um movimento de jovens e, mais tarde, de adultos, que passou as fronteiras do país e cresce, geração atrás de geração. Um dia, abordado por um jornalista, à porta de um evento, onde era esperado com entusiasmo por milhares de pessoas, à pergunta de "porque é que o seguem assim?", respondeu, com um sorriso alegre e uma voz firme: "porque acredito no que digo".

Começo esta semana, pedindo para viver assim. De modo que aquilo que digo, faço e sou brote da riqueza daquilo em que acredito. Como o padre italiano. E o amor aos meus alunos me torne criativa e incansável. Como a professora de Francês.

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