Depois de Obama vem o quê?

Rui Ramos
OBSERVADOR | 5/11/2014

A ascensão e queda de Obama é um aviso de que carisma e inteligência, mesmo à frente da maior potência, não bastam para dar ao planeta a sensação de controle e direcção.

E pronto, a era de Barack Obama parece ter chegado ao fim. Não vale a pena esperar mais: era só isto que havia para ver. Hoje, é difícil recordar a onda de credulidade que o levou à presidência. Bush era, então, o único problema do cosmos. Barack Obama, que antes mesmo de fazer fosse o que fosse já tinha um Nobel da Paz, ia mudar tudo: reconciliar o mundo com o poder americano, pôr os partidos de acordo, aproximar os grupos étnicos nos EUA. Ao fim de seis anos, nada é como previsto. Nunca se falou tanto das fracturas raciais na América, nunca a polarização política foi tão forte, e nunca, desde 1989, a primazia americana no mundo foi tão contestada. No Iraque, Obama teve de voltar à guerra, invocando aliás a autorização dada a Bush. Afinal, Bush não era o único problema, e portanto Obama não pôde ser a solução.
Mesmo antes de conhecidos os resultados, já alguém lembrava que os votantes brancos do sexo masculino, sempre os mais imunes ao obamismo, constituem geralmente uma percentagem maior do eleitorado em eleições intercalares: mas resta explicar porque é que os outros não apareceram. Obama é hoje um dos mais impopulares presidentes americanos de sempre. Os candidatos democratas tentaram distanciar-se dele, e os candidatos republicanos procuraram fazer destas eleições um referendo ao presidente.
De certa maneira, a presidência de Obama tem sido a negação dos pressupostos da sua eleição. Eleito por organizações de base, assentes nas redes sociais, revelou-se um chefe de Estado remoto, pomposo e autoritário, sem paciência para negociar compromissos e atreito a abusar do poder executivo, como fizera Bush. Promovido pela ideia do "sim, podemos", pouco mais fez do que correr atrás de crises, sem direcção nem esperança.
O que vem a seguir? Não é claro o que será a agenda da nova maioria republicana. A sua força no senado não é suficiente para contornar a obstrução da minoria democrata ou vetos presidenciais. Bastar-lhes-á minar Obama e preparar a rotação no governo em 2016? Tentarão provar que são capazes de consensos transversais? Limitar-se-ão a sabotar o acordo com o Irão? A verdade é que os partidos americanos não são iguais aos europeus e o que a América elegeu foram umas dezenas de empresários políticos locais, cada um com os seus compromissos e ambições. Ninguém sabe com toda a certeza o que podem fazer.
Criou-se o hábito de conceber a história política do século XX em termos de grandes ciclos: o do "consenso social democrata", da década de 1930 à década de 1970, e depois, o do "consenso liberal", desde então. Todos esses ciclos foram iniciados por uma eleição: a de Roosevelt em 1932, no meio da Grande Depressão, e a de Reagan em 1980, no meio da Grande Inflação. O problema destes eventos eleitorais americanos é que nos últimos anos insistimos em submetê-los à astrologia política, a ver se revelam o próximo ciclo.
Em 2004, quando Bush foi reeleito, muitos republicanos decidiram que o novo século ia ser conservador. Nos quatro anos seguintes, os republicanos perderam a maioria no congresso (2006) e a presidência (2008). Em 2008, veio Obama, no meio de uma Grande Recessão, e os democratas decretaram logo o fim do "liberalismo económico". A ilusão durou dois anos. Em 2010, um movimento anda mais libertário tirou-lhes a maioria na Câmara dos Representantes. Mas em 2012, nada disso chegou para remover Obama da Casa Branca. Da mesma maneira, a vitória republicana de ontem não é necessariamente o bilhete para a presidência em 2016, e muito menos para uma nova era conservadora. Pode apenas querer dizer, como alguns já argumentaram, que o Partido Republicano está a tornar-se mais regional (legislativo) do que nacional (presidencial).
É a economia, como gostava de dizer Clinton? Na América, o défice baixou, o desemprego diminuiu, o preço dos combustíveis desceu – mas nada disso dissipou a grande insegurança gerada pela crise de 2008. É tentador culpar os líderes políticos por esta incerteza. Mas a verdade é que o mundo está a passar por uma das maiores transformações de sempre, com o envelhecimento do Ocidente e a ascensão económica da China. Ninguém sabe ao certo como vai ser daqui a uns anos, e as velhas ideologias do século XIX de que ainda vivemos não ajudam a ver mais longe.
A ascensão e queda de Obama é um aviso de que carisma e inteligência, mesmo à frente da maior potência, não bastam para dar ao planeta a sensação de controle e direcção. O mundo está a mudar tanto, que uma eleição já não muda o mundo.

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