Lembram-se de Liliana, a quem roubaram os filhos?

Henrique Monteiro
Expresso Sábado, 5 de abril de 2014

A Segurança Social britânica retirou cinco filhos a um casal português que ali vivia. Não conheço os pormenores da história, mas a própria magistrada reconhece que as crianças queriam viver com os pais. Pela Europa fora, como se vê, o Estado arroga-se no direito de fazer o que quiser com uma família. A família, que fez o Estado, está hoje em dia às mãos do monstro que criou. Sobretudo as mais pobres.
Sim é de pobreza e não de Justiça que se trata. Lembram-se de Liliana Melo, a cabo-verdiana a quem tiraram sete filhos em Portugal, apesar de não haver maus tratos, queixas, apesar de a senhora já estar empregada, numa operação de tal forma tosca que se esqueceram de um dos filhos? Lembram-se de Liliana, de quem eu próprio escrevi neste espaço um texto intitulado "Como se chamam juízes que roubam filhos a uma mãe? " (e que pode ser lido), que não sabia sequer ao que ia quando foi a tribunal? A quem não deixaram mais ver os filhos? Lembram-se que depois disso uma advogada e várias pessoas se mobilizaram para a defender? Lembram-se que o caso foi à Relação? Pois bem, a Relação já julgou e... confirmou a sentença da 1ª Instância. A Liliana continua, por ora, sem os filhos, à espera de novo recurso. As advogadas entendem existirem erros manifestos e grave violação de princípios estruturantes do Estado de Direito.
Eu não sei nada de Direito. Mas no tempo em que o Direito era Justo, o Direito levava em conta situações concretas e não abstratas. Ora na 1ª Instância, que a Relação ora confirmou, escreve-se que "não há prova de maus tratos" (não há, aliás, prova de um delito que seja); aquele acórdão reconhece que há afetividade entre os irmãos e entre mãe e filhos e apenas se prova o que é evidente - que Liliana é pobre. É isto! 
Num ataque da mais pura desumanidade, a sentença refere que falta higiene que - meu Deus! - a luz chegou a estar cortada por falta de pagamento! E que há um quarto para cinco crianças! E que Liliana não laqueou as trompas e ainda teve mais filhos já depois de a família começar a ser acompanhada pela assistência social.
Foi isto que a Relação quis confirmar. E ainda acrescentou este trecho (que eu, nada percebendo de Direito, insisto, acho vergonhoso. Totalmente vergonhoso no cinismo que demonstra para a pobreza. Leiam-no devagar:
"A falta de empenho dos progenitores em proporcionar desafogo material aos menores é por si próprio uma grande violência que legitima a decisão tomada pela 1ª instância".
Pois é, senhores juízes, a pobreza é uma enorme violência. Mas conheço uma que será porventura maior do que a pobreza: arrancarem os filhos a uma mãe. Quem não sabe o que é amor, compaixão, família não perceberá. Nem perceberá porque razão no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ou na Declaração dos Direitos do Homem é a família e o apoio à família, unida, que está no centro do combate à pobreza. 
E, já agora, nem conhecem aquele senso comum que se encontra no poema D. Jaime, de Tomás Ribeiro (séc. XIX), que refere a determinado passo: "El-Rei de Castela é nobre/ não manda insultar um velho/ pode mandá-lo ser pobre/ matá-lo à míngua de pão/ mas mandar que um pai lhe entregue o próprio filho?! Isso não".
Não crendo que seja malvadeza, só pode ser ignorância.

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