Barbosa de Melo: nos 80 anos de um "homem-bom"
Público 2012-11-02 Paulo Rangel
2. Barbosa de Melo distingue-se, evidentemente, pelos seus escritos, muito dispersos, muito fragmentários, mas de uma profundidade e de uma legibilidade assinaláveis. Vão dos domínios mais técnicos do direito administrativo e constitucional - mas aí sempre com um lastro e um rasto cultural incomparáveis - a temas, na altura, de vanguarda, como a concertação social e as matérias comunitárias europeias. Destaco, por se tratar de um clássico da filosofia política portuguesa, o ensaio Democracia e Utopia, no qual sobrelevam as suas melhores qualidades. Tornou-se, porém, conhecido do grande público pela mão da actividade política; onde pontifica como um político de excepção, por ser capaz de casar os grilhões da acção política com a preocupação permanente de a manter ligada à produção de pensamento. Essa capacidade esteve sempre presente do tormentoso nascimento do PPD à presidência do Parlamento, passando pelo apoio às revisões constitucionais ou pela representação autárquica na sua muito amada Penafiel. O país ganhava muito, ainda hoje e agora, se quisesse aproveitar esse cada vez mais raro talento. E não pode passar em claro, por ser uma marca inapagável do seu empenhamento cívico e humano, a militância e a reflexão cristã. Poucos intelectuais, fora das vestes eclesiásticas, terão contribuído tão intensa e luminosamente para o debate e o esclarecimento da nossa relação, culturalmente enraizada, com o divino e o religioso.
3. Barbosa de Melo é um viajante. Mas mais do que um andarilho do espaço, é um passageiro do tempo, um navegador dos tempos. Nele, Homero e Einstein dialogam, Buda e Tocqueville interagem, o padre António Vieira e Freud encontram-se, Gil Vicente e Churchill conhecem-se, porque só o humano lhe interessa. Não é, por isso, um cosmopolita; é mais do que isso, muito mais do que isso: é um "cronopolita" - um cidadão do tempo.
Mas mais do que o detentor de um intelecto brilhante e de uma cultura ímpar, Barbosa de Melo é - como sabem todos os que o conhecem - um homem recto, justo e bom. Se tivesse de escolher um elogio, pegava nessa pista da nossa vida medieval, que ele tão bem conhece, e escolhia o epíteto de "homem-bom". Barbosa de Melo é, neste preciso dia em que perfaz 80 anos, um senador da república, um reputado professor e um sage da melhor linhagem filosófica. Mas, bem mais raro e bem mais precioso do que tudo isso, é um homem bom. Um "homem-bom" de Lagares, Penafiel.
Comentários