A América em boas mãos

Público 2012-11-05  João Carlos Espada

Ninguém sabe ao certo quem sairá vencedor das eleições presenciais de amanhã na América. Esta incerteza é desde logo uma boa demonstração da real abertura da sociedade americana. Na era da tecnologia, na capital da tecnologia e da publicidade de massas, o indivíduo e a sua escolha livre permanecem soberanos. Não é exactamente o "povo" - uma imaginária entidade colectiva - quem mais ordena. São as pessoas quem mais ordena. E porque cada pessoa vota segundo a sua consciência, as grandes organizações, por maiores que sejam e por mais tecnicamente sofisticadas que possam ser, enfrentam a grande incógnita: a incógnita da escolha livre da consciência pessoal.

Esta é a primeira grande lição de liberdade das eleições americanas. Todos sabemos quem será o próximo líder da China, ou quem viria a ser o "novo" senhor da Rússia, para não falar do ditador de Teerão. Mas ninguém sabe quem virá a ocupar aquele que é designado como o cargo mais poderoso do planeta, o de Presidente dos Estados Unidos da América. E ninguém sabe precisamente porque a sociedade americana não é uma organização, é uma ordem livre e descentralizada. Nenhum grande banco de Wall Street, um dos too big to fail, é big enough to decide. Nenhum sindicato, nenhuma burocracia governamental, nenhuma troika, nenhuma representante do FMI, do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia, nem mesmo do Banco Mundial, pode garantir quem será o Presidente americano.

Repito, isto deve-se a que a sociedade americana não é uma organização centralmente comandada. Não é uma empresa, não é um banco, não é um sindicato, não é um instituto estatal, nem sequer uma universidade estatal. É uma ordem livre e descentralizada, com uma vibrante sociedade civil que não depende do Governo e não é alimentada pelo dinheiro dos contribuintes - por isso, não segue "quem manda". Na América, ninguém manda. Apenas a lei. E todos estão abaixo da lei, sob a lei, a começar pelo Presidente que vai ser eleito.

É esta vibrante liberdade civil que permite a intensa e incontrolável variedade de opiniões da sociedade civil americana. É verdade que existe na América uma enorme e enfadonha opinião politicamente correcta. Mas não existe qualquer ditadura politicamente correcta. Porque, em contrapartida, na América existe também a mais rebelde e desarrumada, por vezes simplesmente bizarra, opinião politicamente incorrecta. Esta tensão entre rivais não é empobrecedora, não dá origem a uma dicotomia simplista entre extremos. É uma tensão enriquecedora, que eleva o debate político a níveis raramente encontrados na Europa.

O melhor exemplo do alto nível atingido pela campanha presidencial americana terá sido o terceiro e último debate da campanha, centrado em temas internacionais. Já foi observado que o tema da Europa não foi uma única vez citado no debate. Já muito foi especulado sobre quem terá sido o vencedor do debate. Mas raramente tem sido dito que o debate revelou um forte consenso sobre o papel da América na liderança do mundo livre, um consenso não politicamente correcto que seria difícil observar num debate político europeu.

Antes de mais a questão de Israel e do Irão, um assunto demasiado sério para as sensibilidades politicamente correctas. O Presidente Obama foi muito claro ao repetir várias vezes que Teerão não terá a bomba atómica enquanto ele for Presidente. Ele e o governador Romney foram muito claros na garantia de que os EUA apoiarão Israel se este sofrer um ataque militar. Ambos declararam que, face à ameaça do Irão, a opção militar será sempre a opção de último recurso. Mas ambos foram igualmente claros em manter todas as opções em cima da mesa. Não me recordo de ter ouvido declarações sequer vagamente comparáveis de líderes europeus, incluindo o senhor David Cameron.

Outro aspecto refrescante do debate foi a centralidade de "fazer uma América forte". O tema foi sobretudo citado por Mitt Romney, que teve a refrescante vantagem de defender uma drástica redução dos impostos e um aumento do orçamento de defesa - dois temas impensáveis na Europa. Mas o Presidente Obama fez muito bem em aceitar a centralidade da América forte e em recordar o excelente desempenho da sua política externa - para o qual muito contribuiu a secretária de Estado Hilary Clinton.

Como tive oportunidade de escrever há quatro anos, o Presidente Obama não era o candidato radical que os radicais gostariam que ele fosse. O seu primeiro mandato comprovou isso mesmo. Também agora o candidato Romney não é o extremista de direita que os radicais gostariam que ele fosse. Mas nenhum deles é também um candidato politicamente correcto. Qualquer que seja o resultado, a América está em boas mãos.

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